O Cade e o interesse nacional

RUY COUTINHO

Sem escala de produção, empresas podem ser absorvidas por capitais externos. O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência está para enfrentar um de seus maiores desafios. Em breve o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) deve julgar um conjunto de operações referentes às aquisições feitas pela Companhia Vale do Rio Doce, realizadas entre 2000 e 2001. Essas operações referem-se ao desmanche do nó societário entre a CVRD e a CSN; a compra do controle das mineradoras Socoimex, Samitri, Ferteco, Caemi e MBR, e ao aumento de sua participação no capital da ferrovia da MRS Logística.

O pronunciamento deste órgão terá, certamente, grande repercussão na vida econômica do País, com conseqüências mundiais, já que a Vale é a maior produtora de minério de ferro do mundo e suas minas são cobiçadas por alguns dos gigantes minerais internacionais, como a BHP e a RTZ. Seja qual for a decisão que o Cade vier a tomar, ela vai funcionar como uma espécie de paradigma para casos futuros em que estarão em análise operações complexas de grande relevância para uma economia em desenvolvimento como a brasileira, que está cada vez mais exposta à globalização e abertura econômica.

A elevação da competitividade das principais cadeias produtivas do País, com a criação de grupos econômicos nacionais fortes, tecnologicamente aptos, com liquidez e capacidade de investimento e, até mesmo, de endividamento, é uma necessidade. É inquestionável e plenamente reconhecido por todos aqueles que acompanham minimamente as substanciais transformações que vêm ocorrendo nas principais economias mundiais, que a competição entre as empresas agora se faz em uma escala planetária e não mais apenas entre as fronteiras de um único país. A globalização acelerada está fazendo com que haja consolidação em praticamente todos os setores: bancário, petroquímico, passando pelo de fertilizantes, celulose e papel, mineração e siderurgia.

O Brasil já ostenta um significativo conjunto de empresas com plena capacidade de competir, de igual para igual, no mercado externo. Mas na hipótese de que esses grupos não atinjam escala de produção compatível com suas homólogas internacionais, podemos ter, mais dia menos dia, o perigo de que estas companhias sejam absorvidas pelo capital estrangeiro. A criação de `empresas-âncora` em diversos segmentos da economia faz com que elas carreguem junto a si uma cadeia de indústrias e serviços que acabam por gerar elevado número de empregos e substanciais investimentos.

A metamorfose setorial em curso, contudo, deve levar em conta a absoluta conveniência de que a política de concorrência, que vem ao longo dos últimos onze anos sendo bravamente implementada pelo Cade, apesar de todos os constrangimentos de ordem estrutural e material a que sempre esteve submetido, funcione em boa harmonia com a política de desenvolvimento, sem cenas de fundamentalismo de ambas as partes. Os fatores determinantes da eficiência das empresas via economia de escala e da competitividade em cada cadeia produtiva, principalmente no tocante às estruturas de mercado, são comuns a ambas.

A Vale é uma empresa genuinamente nacional, que tem tido excepcional capacidade de articular a atividade extrativa em suas minas com o transporte do minério, via ferrovias, e seu embarque nos terminais portuários. A Companhia é, na realidade, muito mais do que a maior mineradora de ferro do planeta. A Vale tem que ser entendida como um complexo e integrado empreendimento logístico, com uma lógica global de atuação.

As aquisições das mineradoras nacionais não produziram alterações relevantes nas condições de oferta de minério de ferro para a siderurgia brasileira. Isto acontece porque a Vale só trabalha com contratos de longo prazo, sujeitos a regras de comércio internacional. As eficiências compensatórias aos impactos no mercado e as sinergias potenciais resultantes da aquisição das mineradoras e da maior participação da Vale na

Fonte: Gazeta Mercantil