Nem bem a América Latina Logística (ALL) anunciou ao mercado a compra da Brasil Ferrovias, no final da tarde do último dia 9 de maio, e o telefone do diretor de commodities da empresa, Eduardo Peleissone, começou a tocar. E aí, já posso mandar minha carga para Santos?, dizia a voz animada de um de seus geren tes, do outro lado da linha. O comentário dá uma idéia da importância da aquisição para a companhia controlada pelo grupo GP. Com a Brasil Ferrovias, a malha da ALL chega finalmente ao maior porto do país. Além disso, a empresa terá aumento de 25% na sua malha total, alcançando quase 21 000 quilômetros de trilhos. De uma só tacada, a ALL tornou-se dona da maior malha ferroviária do país, com acesso a mercados estratégicos — caso das plantações de soja no Centro-Oeste brasileiro — e a variadas oportunidades de novos negócios. Tudo seria perfeito, não fosse um único e primordial detalhe: o estado lastimável da Brasil Ferrovias. Em meio a um cenário de caos administrativo e gerencial, a empresa será um desafio mesmo para grupos como a ALL, acostumada a recuperar negócios quebrados para depois lucrar com eles.
A primeira providência nesse processo de recuperação já foi tomada. No dia seguinte ao anúncio da compra, Bernardo Hess, presidente da ALL, despachou uma equipe de 20 executivos e gerentes para a sede da Brasil Ferrovias, em Campinas, no interior de São Paulo. Esse grupo vai permanecer por lá pelos próximos seis meses e será a ponta-de-lança do processo de integração das duas empresas, previsto para ser concluído no início do ano que vem. A primeira providência já em operação é a revisão de todos os contratos da gestão anterior. Além disso, esse grupo de executivos vai detalhar como serão gastos os 400 milhões de reais reservados para a reorganização administrativa e financeira da empresa. Não se sabe ao certo o número, mas espera-se também uma grande quantidade de demissões. Só no ano passado, 1 000 pessoas foram contratadas pela Brasil Ferrovias, chegando a 3 500 funcionários, número considerado elevado demais diante da baixa produtividade da empresa. A ALL vai investir também 1 bilhão de reais na recuperação da malha da Brasil Ferrovias, na compra de novos vagões e em tecnologia. Hees espera ainda que outro bilhão seja aplica do por grandes clientes da empresa ferroviária, como as tradings Bunge e Cargill, na construção de armazéns e na infra-estrutura para carga e descarga.
A linha adotada por Hess faz parte de um planejamento que começou no início deste ano. Entre janeiro e março, alguns dos mesmos funcionários que hoje estão em Campinas viajaram nas locomotivas da Brasil Ferrovias, visitaram oficinas, conferiram a situação dos trilhos, pesquisaram as estratégias e a gestão da empresa. Produziram um relatório de 200 páginas sugerindo como recuperá-la. Foi esse relatório que baseou a decisão de oferecer aos acionistas da Brasil Ferrovias — os fundos de pensão Previ e Funcef, além do BNDES — 1,4 bilhão de reais em ações da ALL e assumir dívidas de 1,6 bilhão de reais com o BNDES. Hees não dá detalhes sobre o documento, embora reconheça que será necessário um choque de gestão na Brasil Ferrovias. Sabemos que estamos comprando uma empresa em situação quase falimentar. Justamente por isso, a urgência de começar a virada é grande, diz o executivo.
Formada em 2002, depois da reunião de três empresas (Ferronorte, Ferroban e Novoeste), a Brasil Ferrovias trilhou desde o início uma trajetória acidentada. A empresa já nasceu com uma dívida de 1,5 bilhão de reais, herdada da construção da Ferronorte, nos anos 90, pelo empresário Olacyr de Moraes. Aliados aos problemas financeiros, que persistem até hoje, os erros de gestão deterioraram ainda mais a condição da companhia e de sua malha. O último acidente foi o plano de reestruturação financeira, elaborado em setembro de 2005 com o intuito de salvar a companhia. Já nas mãos do BNDES, principal credor, e dos fundos de pensão — que haviam se tornado
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