A travessia de trens de carga pela capital paulista é atualmente o maior gargalo logístico do sistema ferroviário brasileiro. Comboios que levam mercadorias do interior de São Paulo, dos estados do Centro-Oeste e do Rio de Janeiro ao porto de Santos — ou vice-versa — são obrigados a cruzar a Grande São Paulo e compartilhar os trilhos usados pelos trens de passageiros. Como a prioridade é o transporte de pessoas, há horários completamente proibidos para a passagem dos vagões com carga, que têm de esperar até 8 horas para entrar na zona urbana da maior metrópole do país. Como conseqüência do gargalo, boa parte das mercadorias acaba acomodada em caminhões, o que representa um custo extra de até 25% — sem falar no congestionamento em rodovias e avenidas. A MRS, uma das concessionárias de transporte de carga ferroviária em São Paulo, estima que poderia carregar um volume 45% maior se tivesse trânsito livre. Os usuários também padecem. Só conseguimos transportar nos trens metade dos produtos acabados que gostaríamos, afirma Marcos Lutz, diretor de infra-estrutura da siderúrgica CSN.
A solução para o problema é conhecida — é preciso construir o ferroanel, um contorno ferroviário nos moldes do rodoanel, que permitiria tirar os trens de carga do centro de São Paulo e eliminar o compartilhamento de trilhos com os trens de passageiros. Há um ano, a MRS entregou ao governo federal um projeto detalhado para a construção da parte considerada mais urgente do ferroanel, o trecho norte, que resolveria o grosso do problema. A empresa afirmou ter interesse em investir até 400 milhões de reais, metade do custo estimado para esse trecho. Inexplicavelmente nada aconteceu. Passados 12 meses, a MRS não recebeu resposta alguma para sua proposição.
A ironia é que o próprio governo federal reconhece a importância estratégica do ferroanel para a economia do país. A obra foi incluída entre os projetos prioritários do Plano de Revitalização de Ferrovias e listada entre as primeiras a ser executadas pelo sistema federal de parcerias público-privadas (PPP). Por que, então, o projeto não sai do papel? Procurados por Exame, os ministérios dos Transportes e do Planejamento recusaram-se a comentar o assunto e recomendaram que fosse procurada a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Na ANTT, a informação é que a agência recebeu a incumbência de analisar a proposta, mas ainda não tem nada a dizer — pois o trabalho de análise nem sequer começou. É irritante ver uma obra tão importante parada em alguma gaveta, diz Paulo Fernando Fleury, diretor do Centro de Estudos em Logística da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ou o governo está trabalhando pouco ou falta competência ao pessoal lá de Brasília.
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