Recordação dos áureos tempos de Santa Cruz, a Estação do Matadouro é o retrato do abandono de uma região que um dia foi o quintal da família real. Construída em 1884 para auxiliar o transporte dos bois, animais que movimentavam a atividade industrial do país, a estação é atualmente uma terra de ninguém: trilhos arrancados, famílias que residem no espaço público e nenhum órgão que se responsabilize por sua manutenção. Tombada em 1993 pelo Departamento Geral de Patrimônio Cultural da Prefeitura, a Estação do Matadouro nunca mereceu qualquer projeto da instituição, apesar de sua importância histórica. A Supervia — que detém os direitos de exploração da malha ferroviária do Rio desde meados da década de 90 — alega que sua responsabilidade termina na estação de Santa Cruz.
A Estação do Matadouro foi a quarta a ser criada na estrutura ferroviária do Rio de Janeiro, em 1884, depois de Campo Grande, Realengo e Santa Cruz. Era chamada de estação mista, porque tinha duas plataformas e transportava não apenas passageiros, mas também animais que vinham de outros estados e seguiam direto para o Matadouro Industrial, ao lado.
A importância histórica contrasta com a situação de descaso absoluto. Para o historiador Carlos Eduardo Branco, especialista em ferrovias, ela é reflexo do abandono que o próprio bairro amarga desde a década de 60.
— Hoje nós temos uma visão negativa de Santa Cruz, mas é estudando monumentos históricos como esses que percebemos o quão importante o bairro já foi. Santa Cruz era um verdadeiro jardim quando foi proclamada a República, era onde ficava a família real, uma área nobre da cidade. Mas, desde que se institui a política dos grandes conjuntos habitacionais e diversas favelas do Centro foram trazidas para cá sem qualquer estrutura, o bairro acabou sendo desvalorizado — explica o historiador.
O administrador Rodrigo Valente, apaixonado por trens, ficou assustado quando, no final de maio, resolveu visitar a estação histórica.
— Fui lá para tirar umas fotos e fiquei muito triste quando vi a situação. Foi por causa da estação que toda essa região se desenvolveu; por isso, acho que merecia um olhar mais carinhoso do governo.
A dificuldade está exatamente em descobrir quem é o responsável pelo local. Segundo Carlos Eduardo Branco, a estação original foi desativada na década de 70, quando todo o serviço ferroviário fluminense foi reformulado e os trens passaram a ser laminados (de alumínio). A impossibilidade de esses veículos circularem pela “pêra” (curva que os trens realizavam para circundar o prédio do Matadouro) e o novo esquema de cobrança de bilhetes obrigaram o governo federal, então detentor da malha ferroviária, a construir uma nova estação, conhecida popularmente como Matadouro Nova.
Esta estação nunca chegou a ser utilizada ou foi usada por pouquíssimo tempo. É uma história de descaso com o dinheiro público: ela já estava toda pronta, com roletas, iluminação e toda a estrutura adequada— lamenta.
Atualmente, o local é usado como depósito de carros para mecânicos que realizam serviços de pintura nas proximidades.
Segundo a Companhia Estadual de Engenharia de Transportes e Logística (Central), é a Supervia a responsável pelo ramal da Estação do Matadouro. De acordo com o órgão, a linha que segue até Itaguaí é parte da concessão da empresa. O governo federal, por meio da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), diz a mesma coisa: a Supervia é detentora de todas as informações sobre o local. A concessionária, no entanto, alega que sua área de concessão termina na estação de Santa Cruz. Assim, a população fica sem transporte, sem informação e sem suas raízes históricas.
O pior é que não vemos perspectiva de resolução. E o problema não acaba em Santa Cruz: toda a extensão da linha que vai para Itaguaí está abandonada, teve trilhos arrancados e foi invadida — diz o historiador.
Tombamento não garante a pres
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