No trem que passa diariamente pela Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM), nunca uma viagem é igual à outra. Assim o chefe de trem Sérgio Dunga de Oliveira, 36, há 16 anos trabalhando sobre os trilhos, resume o que o passageiro e a tripulação vão enfrentar nos 664 quilômetros da ferrovia que ligam a capital mineira à capixaba.
Até chegar ao destino final, haverá paradas em 29 estações. E no trajeto as surpresas podem ser muitas. Algumas agradáveis – como as belíssimas paisagens e o simpático serviço de bordo. Outras, nem tanto, entre elas os atrasos que já são tão costumeiros que usuários obstinados sequer se queixam deles.
O trem de passageiros da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) é o único do país a operar diariamente. Todos os dias, uma locomotiva sai às 7h30 de Belo Horizonte e outra deixa Vitória às 7h, transportando cerca de 3.500 pessoas.
A promessa é de que o trajeto seja feito em 12 horas e 40 minutos, com atraso de 30 minutos sendo considerado aceitável pela própria empresa.
Trafegando com uma velocidade média de 60 km/h e máxima de 67 km/h, a locomotiva atravessa pontes e vários túneis, entre eles o que separa Belo Horizonte de Sabará e tem 2.930 m de extensão.
Os trilhos margeiam os rios Piracicaba e Doce. Com o objetivo de relatar como é essa viagem – espécie de aventura segura, já que nunca um acidente foi registrado com o trem de passageiros que passa pela ferrovia que exista há 104 anos – uma equipe de “O Tempo” embarcou no trem duas vezes, fazendo o trajeto de ida e volta.
Classe econômica: a mais movimentada
No último dia 15, sexta-feira, o trem saiu de Belo Horizonte pontualmente às 7h30. O destino final era a estação Pedro Nolasco, em Vitória, onde chegou às 20h50 (40 minutos de atraso).
Deixar a bonita, embora descuidada, estação no centro da capital mineira, de manhã bem cedo, com o trem soltando fumaça e acionando a buzina, deu a sensação de uma viagem ao passado.
Ou, pelo menos, diferente, já que há muito tempo o trem perdeu espaço para carros e ônibus. E logo no começo da viagem, há uma cena inusitada para um meio de transporte coletivo: um grupo de crentes que ocupava poltronas em um dos vagões da classe econômica entoava bem alto e com muito entusiasmo canções de louvor.
“Não acho que cantar alto incomoda. O que incomoda é a palavra de Deus. A gente respeita o direito de cada um”, disse Arilda Ferreira, 30, que embarcou em Belo Horizonte para descer da estação Desembargador Drumond, em Nova Era, para fazer pregações.
Mais cheia e com maior rotatividade de passageiros, a classe econômica é bem movimentada. É ali que, na maioria das vezes, viajam as pessoas que vivem nas pequenas cidades que ficam às margens da ferrovia e que, em alguns casos, contam apenas com o trem como meio de transporte.
Também levam jovens e grupos que querem chegar ao litoral atraídos pelo preço razoável da passagem: R$ 36 pela viagem completa. Na executiva, valor passa para R$ 55.
Bagagem
O trem não tem vagão próprio para bagagens, mas o número de malas por passageiros é alto e cada um se ajeita como pode: as sacolas que não cabem no compartimento destinado a elas vão sobre poltronas ou no chão.
Em cada estação, as pessoas entram nos carros com caixas, sacolas, malas, banheiras de bebês e outros. Cosme Cavalcanti, 45, embarcou em Belo Horizonte com a mulher, a filha, a neta e muita bagagem.
Viajou até Belo Oriente, ou seja, por pelo menos cinco horas, assentado na poltrona e tendo uma mala sob os pés. De acordo com funcionários do trem, já houve um vagão para as malas, mas o despacho acabava ocasionando muita demora.
Mães com filhos pequenos também improvisam lugares para as crianças mamarem, trocarem fraldas e dormirem. Sentada na primeira poltrona de um dos vagões da classe econômica, Débora Rodrigues, 23, cobriu o chão e lá mesmo colocou o filho Asaph, 2, para dormir.
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