O ambiente é centenário. Algumas locomotivas somam 30 anos de estrada. No final dela, estão jovens ferroviários que na infância pouco andaram de trem e agora trabalham no mesmo lugar onde pais e avós já trabalharam. Enquanto se comemora os 100 anos da inauguração do primeiro trecho da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e pouco se acredita na ferrovia, novatos pensam no futuro que ela pode trazer.
O sonho de Rafael Davi Fidelis Chrispim, 23 anos, era ser jogador de futebol, mas há quatro meses ele realizou o sonho do pai de ver um dos três filhos seguir a tradição. O filho de Elias da Silva Chrispim, 45, é o quarto ferroviário da família.
Antes dele, o bisavô, o tio e o próprio pai participaram da história da NOB (Noroeste do Brasil), que na quarta-feira, dia 27, comemora o centenário da inauguração dos primeiros quilômetros da estrada.
Elias é ferroviário há 25 anos. “Era o sonho de todo homem trabalhar aqui porque era o melhor emprego na época”, lembra-se. Atualmente, ele é mecânico de vagões junto com Rafael, que sequer pensa em ser jogador de futebol. “Agora quero crescer, acho que dá pra fazer carreira aqui”, diz. A decisão foi motivo de orgulho para a família, em especial para o pai. “Era meu objetivo que ele viesse trabalhar aqui.”
Já o pai de Thiago Leite Barone, 18, não precisou se empenhar para o filho ser a quarta geração de ferroviários da família a trabalhar na antiga Noroeste. Filho, neto e bisneto de ferroviários, atualmente Barone é eletricista de locomotiva e também trabalha com o pai.
Rodeado de assuntos relacionados à ferrovia, desde criança ele gostava do meio. “Vinha nas oficinas e brincava de desmontar trenzinhos e trilhos”, conta. A brincadeira aos poucos o levou para uma profissão que ele não pensava em seguir, mas agora é a responsável pelos planos futuros dele.
No ano que vem, ele pretende fazer faculdade de engenharia mecatrônica e se especializar. “Alguns estranham quando digo que sou ferroviário, mas quero continuar. Sei que é um transporte que tem futuro.”
Diferenças
Na época dos bisavôs e avôs, o nome era Noroeste, mais conhecida como NOB. Já na época dos pais dos jovens ferroviários, era a Rede Ferroviária Federal que denominava onde trabalhavam. Há quatro meses, o local de trabalho é ALL (América Latina Logística).
As mudanças entre as gerações, porém, não se restringem aos nomes. Desde o início da construção da NOB, em 1905, a ferrovia está em transformação. Em meio a auges e decadências, ferroviários resistem às turbulências que têm marcado o setor ferroviário, em especial a antiga Noroeste.
Logo que os primeiros 92 quilômetros foram inaugurados, há 100 anos, apenas dois trens circulavam entre Bauru e Avaí. Aos poucos a estrada aumentou e em 1953 foi finalizada a ligação Bauru-Corumbá, de 1.621 quilômetros de extensão.
Atualmente, em pontos da estrada os trens não ultrapassam a velocidade de 10 quilômetros por hora, devido ao estado ruim dos trilhos, herança de décadas passadas.
Aos 20 anos, o mecânico de vagões Bruno Marcel Lopes vive um período diferente ao do avô e dos tios, ex-ferroviários. Igual a Lopes, os jovens ferroviários trabalham em um setor ainda em busca de definição e com promessas de que pode voltar a crescer. Apesar das incertezas, eles acreditam que a profissão escolhida os levará ao caminho certo.
Para mais velhos, melhora é incerta
O mecânico Evandro Gavaldão, 44 anos, não faz parte da nova geração de ferroviários, mas, igual a eles, integra uma família com tradição na ferrovia. Diferente deles, não consegue ver um futuro tão promissor.
“Não perco a esperança. Estão fazendo mudanças, mas será difícil”, diz o filho, neto e sobrinho de ferroviários. As dificuldades seriam explicadas pela situação precária das ferrovias, locomotivas e vagões. Para o mecânico de vagão, as ferrovias deveriam voltar a ser do governo, mesma idéia defendida pelo sindicato da categoria.
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