O ambiente de trabalho é insalubre. A ‘‘máquina’’ (vagão onde fica o motor central da locomotiva e também onde ficam os dois maquinistas – o principal e o assistente – e um manobrador) é apertada, pouco iluminada, quente e barulhenta. De acordo com Daniel Rocha, 35, o segundo maquinista nessa viagem, a soma dos barulhos da frenagem e da rotação dos motores ultrapassa os 100 decibéis. Só para se ter uma idéia, Quando o nível de ruído atinge esse patamar, pode causar um ‘‘trauma auditivo’’ e a conseqüente surdez. Ao nível de 120 decibéis, além de lesar o nervo auditivo, provoca no mínimo, zumbido constante nos ouvidos, tonturas e aumento do nervosismo. Por isso nem precisa dizer que a rotina dos maquinistas, apesar de parecer simples a primeira vista, é muito estressante. ‘‘O principal motivo de estresse é o fato de trabalharmos em um sistema de trens aberto. Estamos muito vulneráveis a acidentes e nossa principal preocupação são os carros e pedestres que cruzam a linha’’, reclama Daniel Rocha. Ferino endossa as palavras do seu colega. ‘‘As pessoas são muito mal educadas. Existe uma falta de conscientização muito grande por parte das pessoas ao longo de todo o percurso’’, denuncia.
A bordo de uma locomotiva com mais de 50 anos constatamos que os trens que circulam hoje em dia já não despertam a imaginação, nem tampouco chamam a atenção da população como em tempos idos. A única exceção se aplica quando eles são envolvidos em acidentes como o que aconteceu nesta semana, que feriu fatalmente um casal. Com uma frota antiga, sem conservação e oferecendo poucas opções de linhas, os trens de Natal não transportam mais do que 10 mil pessoas por dia. Um número muito pequeno quando o comparamos à população de mais de um milhão de habitantes que vive na Grande Natal – região por onde os trens ainda circulam. No total, apenas 56 km de terra potiguar recebem diariamente (menos nos domingos) a visita dos trens.
Implantando no estado ainda no século XIX, época em que o sistema ferroviário potiguar viveu seu auge, surgiu como a esperança de salvação e uma terra que era castigada pela seca. Administradoras internacionais detinham a concessão dos trilhos que carregavam pessoas e cargas valiosas por todo o estado. Hoje em dia, administrada pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), vive um momento de saudosismo.
Maquinista há 21 anos e prestes a se aposentar, Paulo Ferino dos Santos, ou Ferino, como gosta de ser chamado, cumpre uma média de 25 viagens por semana de Natal a Ceará-Mirim ou Parnamirim e cansou de acreditar nas promessas. ‘‘Desde quando entrei aqui eles prometem uma renovação da frota. Todo ano é a mesma coisa. Mas espero ainda poder andar em trem bonito, novinho, mesmo se isso for só quando eu estiver aposentado’’, afirma.
Que as palavras amargas de Ferino não sejam confundidas com desgosto. A bordo de um veículo que pesa mais de 270 toneladas sem passageiros e tem capacidade de transportar cerca de mil pessoas por viagem, ele se diverte. ‘‘Por aqui tem maquinista que já chegou a ter uma namorada por estação’’, dispara. As declarações são interrompidas por uma face repentinamente serena que acrescenta: ‘‘A minha mulher sabe que eu só tenho ela. Uma já dá trabalho demais’’.
Pedestres e motoristas se arriscam nos trilhos
Durante a viagem de apenas uma hora, a reportagem flagrou cenas de tirar o fôlego. Crianças e adultos desafiando a máquina de ferro. Brincando ou sentados nos trilhos, eles esperam até o último momento para dar passagem ao trem. ‘‘Olha isso! Sai da frente seu filho da mãe!’’, dispara Ferino. Quando o assunto são os constantes acidentes com trens urbanos, os dois maquinistas preferem mudar de assunto. Ambos afirmam que cada um de seus colegas tem suas histórias mas preferem não contar. ‘‘Evito o acidente ao máximo, mas não depende só da gente’’, destaca Ferino.
Ele conta que já participou de treinamentos em que a eficiência dos freios do trem é test
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