Voz baixa, jeitão acanhado, Alex dos Santos, 22, nascido no Tocantins, narra sua rotina diária na frente de construção de uma estrada de ferro. Sobre um vagão-plataforma repleto de dormentes, ele aguarda os ajustes finais numa geringonça barulhenta que espalha, ao ritmo de 1,2 quilômetro por dia, os dormentes que sustentarão as composições de mais de 200 vagões que rasgarão o sertão já na próxima safra agrícola. A frente com 25 homens bem ensaiados marcha como locomotiva, transformando dormentes de concreto e trilhos chineses na Ferrovia Norte-Sul.
Com R$ 1,4 bilhão, dinheiro bancado pela Vale, maior mineradora de ferro do mundo e vencedora do leilão de subconcessão que lhe dará o direito de operar a ferrovia, a Norte-Sul deve ganhar em dezembro deste ano porte para mudar a economia do Tocantins e alterar de vez a movimentação de carga de parte do Centro-Oeste.
Há quem afirme na região que a Norte-Sul vai recolonizar esses rincões do cerrado. E, ao contrário do que se pensa, a região não vê a hora dessa nova colonização. A Norte-Sul não será apenas uma ferrovia. A estrada de ferro vai mudar o mapa agrícola do país. É um novo movimento de colonização da região, avalia Marcello Spinelli, diretor da área de comercialização de logística da Vale.
Não é exagero. Com mais de 500 quilômetros de extensão previstos para dezembro, trecho que ligará o município de Guaraí, na região do médio Tocantins, até Açailândia (MA), onde a ferrovia encontra a Estrada de Ferro Carajás, o corredor ferroviário também batizado de corredor Centro-Norte deflagrou negociações que irrigarão como jamais visto a economia do Tocantins e viabilizará a mais nova fronteira agrícola do país. Novos acordos já elevaram a área plantada em 22% em relação à safra passada, e o preço das terras duplicou em um ano, atingindo mais de R$ 8.000 por hectare. Hoje, 1,7 milhão de toneladas de grãos já passam pelos 200 quilômetros de ferrovia em condições de operação, entre Porto Franco e Açailândia, ponto de conexão na Ferrovia de Carajás onde as composições de carga geral chegam ao Porto de Itaqui (MA).
De mil a milhões
Basta olhar o mapa mundial para compreender o significado do corredor Centro-Norte, elevado agora à escala de milhões de toneladas. De lá, partem os grandes navios graneleiros para a Europa, os Estados Unidos ou para o canal do Panamá (acesso mais curto para o oceano Pacífico rumo à Ásia).
Pois é essa conta que começa a ser feita por produtores do Tocantins, onde a produção atual não supera 800 mil toneladas por ano. As grandes tradings em operação no Brasil, entre as quais Bunge, Cargill, Multigrain e Caramuru, negociam a expansão da produção local ou estudam entrar na região. É a situação da Caramuru.
O Tocantins é um Estado novo, com produção inferior a 1 milhão de toneladas por ano, mas surge agora como opção de negócios, afirma César Borges de Sousa, vice-presidente da Caramuru.
Eduardo Calleia Junger, gerente da Norte-Sul, diz que a perspectiva é ter em cinco anos cerca de 8,8 milhões de toneladas de grãos descendo até o porto de Itaqui. Só grãos, sem contar os volumes que poderão ser gerados pelo transporte de combustível (derivados de petróleo, álcool e biodiesel) ou outros tipos de agroindústria, como a da carne bovina. Charbi Mackhoul Harddy, ex-militar e integrante do Projeto Calha Norte, é hoje produtor no Tocantins. É dele também um plano da Unialimentos, fusão dos grupos Margen e Quatro Irmãos, para exportação de carne bovina.
O grupo abate atualmente no Tocantins 1.800 reses, uma parte da produção destinada à exportação. O problema está na logística de exportação, de impressionante ineficiência.
Sem volume, os contêineres despachados do Tocantins para a Europa são carregados sobre caminhões por 2.800 quilômetros até alcançarem o apinhado porto de Santos (SP).
Embarcada num navio, a carne do Tocantins viaja de volta ao topo do Brasil, agora por via marí
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