Pedágio urbano em Londres

Além de generalidades óbvias como o compromisso com a segurança e o bem-estar de todos, o trabalhista Ken Livingstone e o conservador Boris Johnson pouco tinham em comum em sua plataforma para as eleições municipais de Londres, em maio deste ano. Um dos pontos de interseção foi justamente a polêmica taxa sobre a circulação de veículos pelo Centro da capital britânica, que, embora conte com uma legião de inimigos na cidade, há cinco anos vem desdenhando do ditado que fala sobre a impossibilidade de se agradar a correntes rivais.


Ainda que Johnson tenha levado a melhor sobre Livingstone e imediatamente interrompido os planos de expandir a zona em que vigora a cobrança de US$ 16 diários, ele não ousou mexer no esquema idealizado pelo trabalhista, que em 2000 assumiu uma cidade com um dos piores índices de congestionamento da Europa.


Desde 17 de fevereiro de 2003, carros e caminhões que circulam pelo Centro de Londres, entre 7h e 18h, de segunda a sábado, pagam a taxa diária de US$ 16 — em feriados e no período natalino, a cobrança é suspensa.


Motoristas podem pagar a taxa pela internet, por telefone ou em lojas credenciadas, pelo menos um dia antes — o valor passa para US$ 20 se for pago depois.


Estão isentos da cobrança ônibus, microônibus, táxis licenciados, veículos de serviço como ambulâncias, carros de bombeiros e da polícia, além de motos, bicicletas e veículos movidos a combustíveis alternativos.


Moradores da zona de cobrança têm descontos de até 90%. Também há descontos para empresas com frotas.


Londres, onde 60% dos 7,7 milhões de habitantes têm carro, foi a primeira grande capital do mundo a adotar a taxa de congestionamento. Na Europa, apenas Oslo e Estocolmo têm sistemas do gênero. Mesmo no Reino Unido ainda há resistência, embora Manchester, uma das maiores cidades do país, acene com um esquema especial para a hora do rush, que entraria em vigor em 2012.


Por dia, 60 mil carros a menos


Várias pesquisas mostram que a maioria dos moradores da cidade pensa estar perdendo menos tempo para se deslocar pelas ruas, e as estatísticas mostram uma redução de pelo menos 21% na circulação de veículos na zona de cobrança, que inclui algumas das principais avenidas londrinas e seus distritos comercial e financeiro. Na prática, são 60 mil carros a menos por dia circulando pela região.


Segundo a Secretaria de Transportes, a velocidade média do trânsito no Centro teria subido de apenas três milhas por hora para quase dez desde 2003.


A medida também é popular por conta do dispositivo legal que obriga a prefeitura a investir o lucro da cobrança da taxa e das multas sobre não-pagadores (entre US$ 120 e US$ 160) na rede de transportes. Segundo as autoridades, o valor arrecadado entre 2006 e 2007 ultrapassou US$ 200 milhões.


— É preciso também analisarmos o ponto de vista ecológico.


As medições oficiais de poluição, por exemplo, revelam uma redução de mais de 15% nas emissões de gás carbônico na zona de cobrança — diz um porta-voz do escritório londrino da ONG Amigos da Terra.


Nem todo mundo aplaude


Comerciantes afirmam que a cobrança teve efeito direto no faturamento de seus negócios e há quem também aponte para a existência de diversos nós no trânsito da capital, ainda que a prefeitura alegue ser o resultado de obras de recuperação asfáltica ou de reparo nas redes de água, esgoto ou gás. Há também o custo de instalação e manutenção do sistema de vigilância e cobrança, que é feito com o uso de câmeras e de computadores que identificam as placas dos veículos.


A cobrança já foi contestada judicialmente diversas vezes, inclusive pelo fabricante alemão de carros Porsche, contra proposta de Livingstone de sobretaxar carros mais poluentes.


O ex-prefeito travou ainda dura queda-de-braço com várias embaixadas, incluindo a dos EUA, que se recusaram a pagar — o Brasil mantém as contas em dia.


Ninguém se beneficia de engarrafamentos; toda medida é bem-vinda


Em 2002, quando a pequena cidade de Durham, na Região Norte inglesa, virou notícia ao instituir a cobrança compulsória sobre a circulação de carros em áreas de grande movimento, o Instituto de Pesquisa de Política Pública (IPPR, na sigla em inglês) lançou campanha por repetições em outras regiões britânicas. O fato de a capital ter adotado um sistema do gênero, segundo uma das especialistas da área de transporte e meio-ambiente do IPPR, Jenny Bird, deve ser comemorado.


O GLOBO: Cinco anos depois de sua instituição, como a senhora avalia a taxa de engarrafamento?


JENNY BIRD: Há indicadores técnicos e pesquisas de opinião mostrando um quadro geral de melhoria na qualidade do trânsito em Londres, então temos de considerar um sucesso. Sei que houve muita resistência antes da instituição da cobrança, mas creio que ela se deva muito mais à desconfiança natural da população com impostos e tributos.


O que dizer dos argumentos de que a cobrança também prejudica a economia da cidade?


BIRD: Há várias associações comerciais que defenderam a medida, pois não acredito realmente que algum comerciante sensato acredita que ver caminhões de entrega parados no trânsito faz bem para os negócios. Ninguém se beneficia de engarrafamentos, e toda medida que diminua o fluxo de carros deveria ser bem-vinda pela sociedade de maneira geral.


O novo prefeito, Boris Johnson, cancelou os planos de seu antecessor de cobrar mais por carros que consumam mais combustível e emitam mais gases poluentes. É um passo atrás?


BIRD: Uma medida que sobretaxasse os maiores poluidores mandaria um recado claro para o público no momento de comprar carros. Seria uma boa maneira de incentivar um pouco mais de preocupação com questões ambientais.


A senhora acredita que o esquema londrino seria viável em grandes cidades do Brasil?


BIRD: Não sou especializada na realidade brasileira, mas uma coisa é certa: um sistema como o que está em vigor em Londres precisa ser amparado por um transporte público saudável e confiável. Só assim o público abraçaria a proposta realmente. Foi assim com os londrinos, que já contavam com metrô e ônibus de certa qualidade e que viram também a chance de melhorias no transporte.


Enquanto isso, no Centro do Rio


Nos últimos dez anos, a frota de veículos em circulação na cidade do Rio aumentou mais de 40%, segundo a professora de transportes urbanos da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro Eva Vider: — Aumentou em 1,7 milhão o número de carros na rua. Só que o espaço viário continua igual. Em dois ou três anos, pode dobrar o fluxo de trânsito atual. Hoje, a velocidade média nas vias principais do Centro é de 27km/h. É melhor ir de bicicleta.


Para Eva, o principal problema do trânsito no Centro do Rio é o sistema de transporte coletivo: — Há excesso de ônibus passando pelo Centro pela falta de amplitude da rede do outro transporte coletivo principal, o metrô. E há áreas críticas, como a Central do Brasil, onde chegam as redes metroviária, ferroviária e rodoviária. Ela está saturada.


Uma rede de transporte metroviário mais desenvolvida deveria se ligar também a uma rede de estacionamentos nas margens do Centro.


— Poderia haver estacionamentos em pontos chave na entrada do Centro, como na Praça Onze. Ali, as pessoas deixariam os carros e, no Centro, usariam só esse transporte coletivo mais desenvolvido — completou Eva Vider, citando ainda vans e a carga e descarga de caminhões nas horas de pico como problemas. — Para isso tudo falta fiscalização.


 


 


 



 

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Fonte: O Globo

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