A Ponte Paulo de Frontin não é para ir nem voltar. Construída em ferro na Bélgica, cartão-postal de Miguel Pereira, na Região Serrana do Rio, é um remanescente do tempo em que o progresso era transportado por ferrovia.
Hoje, seu uso é restrito a aventureiros que descem de rapel no vão de 34 metros de altura. As pontes ferroviárias, grande parte delas da época do Império, tiveram que se adaptar à preferência pelos automóveis. Algumas são exclusivas para trens de carga, outras rodoferroviárias e ainda há as que recebem somente carros. As abandonadas terão, agora, uma chance de não serem esquecidas pela história.
As pontes que não têm uso operacional e pertenciam à Rede Ferroviária Federal foram passadas ao Serviço de Patrimônio da União e estão sendo inventariadas por especialistas contratados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O trabalho do Instituto do Patrimônio Histórico começou com a análise das estações de passageiros, construídas em alvenaria ou madeira, no século 19 e no início do século 20. As que têm vocação turístico-cultural terão o uso fomentado pelo Iphan, que fará convênios com prefeituras para que elas possam gerir esses locais.
— Estamos analisando o que tem valor nas 350 estações.
O número é alto comparado ao acervo do Iphan, que é de 370 imóveis. Já solicitamos a estação Barão de Mauá, na Avenida Francisco Bicalho, para instalar o Centro de Referência da Memória Ferroviária, que poderá conviver com o trem-bala.
Também queria que o centro fosse de memória suburbana — disse Carlos Fernando Andrade, superintendente do Iphan do Rio. — Toda parte de biblioteca, livro, mapoteca, iria para lá. O valor do material é múltiplo. Há cidades que só existiram por causa da estrada de ferro.
A cidade de Miguel Pereira sabe muito bem a importância da Ponte Paulo de Frontin. De acordo como historiador Sebastião Deister, supervisor de cultura da prefeitura e autor de sete livros, sendo que um deles sobre a ferrovia, Dom Pedro II foi o grande entusiasta da estrada de ferro. O imperador visitou todas as cidades com estações.
— Estamos abrindo um processo no Iphan para o tombamento desse viaduto, o único de ferro, em curva do mundo, tombado apenas pelo município de Miguel Pereira — disse.
A ponte, de 1897, tem 82 metros divididos em 3 trechos. Sua arquitetura é comparada à da Torre Eiffel. Suas bases são de pedra trabalhada.
Sem o trem de passageiros, a cidade acabou
Romeu Ferreira de Oliveira, de 71 anos, passou 31 deles trabalhando na ferrovia. Foi auxiliar de maquinista, lidando com a caldeira de trens a vapor, e chegou a supervisor especial.
De sua casa, em Valença, acompanha os trens de carga da MRS Logística quando passam pela Ponte do Paraíso. Sua mulher, Enedina Pereira de Oliveira, morava em Teixeira e não resistiu aos acenos do maquinista, sempre de terno e gravata. De lá para cá, foram 36 anos de casamento.
Neste tempo, a cidade dela não resistiu ao fim do movimento gerado pelo trem de passageiros e não existe mais.
— Foi um grande erro acabar com o vagão de passageiros.
Dava para ir do Rio a Belo Horizonte — diz Romeu.
Entre as lembranças mais tristes, a morte do amigo Ivan de Souza Rocha, em 1972. Na época, o lixo de cidades próximas era jogado de cima da Ponte Paraíso, no Rio Paraíba do Sul. Hoje em dia, um crime ambiental impensável. Um problema fez com que o vagão caísse na água. Parte dele pode ser vista até hoje.
A ponte foi aberta em 1866 e tem 194 metros de extensão. Seus belos pilares são de pedra trabalhada.
A família imperial na festa dos barões do café
No dia 17 de dezembro de 1865, Dom Pedro II e a família imperial inauguraram a Ponte do Desengano, dando início às viagens de trem entre a Estação de Vassouras e Juparanã. O historiados Sebastião Deister relata que as festas para receber as autoridade eram promovidas pelos barões do café da região, que passaram a escoar sua produção pela estrada de ferro: — Pedro II foi o grande entusiasta da ferrovia. Sempre que podia, vinha inaugurar algo e isto, sem dúvida, era o maior acontecimento dessas cidades, e revelava um grande otimismo.
A ferrovia significava o fim do transporte por mulas, que levavam o café para o Rio, e a integração de cidades.
Hoje, além dos trens da MRS, a ponte recebe automóveis.
A empresa de logística mantém, ainda, outras pontes imperiais: Ponte de Serraria (Levy Gasparian) e Ponte de Paraibuna, na cidade de mesmo nome.
— São pontes bem imponentes, de estrutura metálica, que têm muita importância — diz Sérgio Carrato, gerente corporativo de arrendamento e patrimônio da MRS.
A Ponte do Desengano tem 173 metros em curva.
Fim de linha: travessia exclusiva para automóveis
Não há trilhos aparentes na ponte de Santa Branca, sobre o Rio Santana, no distrito de Arcádia, em Miguel Pereira. Apenas carros passam no local, sobre um caminho de tábuas.
Inaugurada em 1898, tem origem inglesa, segundo o historiador Sebastião Deister.
Depois de uma forte cheia, teve a base restaurada por americanos, que colocaram uma placa no local em 1941.
— Os ingleses costumavam fazer pontes em forma de túnel.
É interessante reparar nas diferenças desta ponte com a Paulo de Frontin, feita na Bélgica — diz Deister. Os trens que usavam a ponte eram da chamada linha auxiliar.
De acordo com Aury Sampaio, engenheiro aposentado, ferroviário e ex-presidente da comissão do Congresso Panamericano de Estrada de Ferro, ela foi desativada sob alegação de que havia prejuízo: — A chamada linha auxiliar era uma opção para subir a Serra do Mar em trens de bitola estreita. Com esses trens era possível chegar até Brasília a partir de Belo Horizonte.
O ramal foi suspenso indevidamente porque já houve essa continuidade do tráfego, que foi quebrada.
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