Andrew Ferren
Você está falando daquele trem velho tedioso? Você sabe que ele pára em todas as cidades ao longo do caminho? alertou um amigo de Madri ao saber dos meus planos para uma viagem com paradas breves pela costa do norte da Espanha, das colinas verdejantes, enseadas pitorescas e altas florestas da Galícia até as montanhas cobertas de neve de Cantabria.
Em um ano em que as grandes notícias ferroviárias na Espanha envolveram a expansão das linhas AVE de alta velocidade, que ligam as capitais regionais em tempos recordes, pode parecer estranha a escolha por passar cinco dias visitando – seja de dentro do conforto de um vagão climatizado ou desembarcando para uma caminhada pelos arredores – virtualmente toda cidade mercado medieval ou enseada de pescadores na paisagem multicolorida do norte.
O fato é que trens ligam cidades, enquanto estradas se conectam a outras estradas que quase sempre estão muito distantes do centro histórico de qualquer vilarejo com mais de mil anos que valha a pena ser visto. E o FEVE, trem velho tedioso em questão, é um pouco de história por si só. Apesar de amplamente modernizado, ele continua sendo o maior sistema de trens de bitola estreita na Europa e a principal artéria ferroviária do norte da Espanha, se conectando a uma rede semelhante na região basca do país, que segue para a fronteira francesa.
Com sua menor largura de trilhos, o FEVE é perfeito para percorrer a linha costeira escarpada e subir os barrancos e desfiladeiros íngremes, colocar os viajantes no meio da beleza natural e da vida cotidiana da região. Os demais passageiros do FEVE são tanto moradores de um vilarejo a caminho do açougue favorito na cidade vizinha quanto um grupo de ciclistas ingleses fazendo uma pesquisa profunda de albariños e outros vinhos brancos locais.
Logo, foi com um pouco de empolgação que embarquei no trem das 10h30, que partia da cidade galiciana de Ferrol, a cidade natal de Franco. Quando as portas fecharam e o trem partiu da bem-cuidada estação amarela e branca, um casal idoso trajando sobretudos de tweed simples fez uma trégua silenciosa em uma discussão agitada, que parecia ser em torno de manteiga, e se preparou para uma viagem segura antes de voltar sua atenção para a paisagem que passava.
Naquele instante poderia parecer que Franco ainda estava no poder, mas após passar as 24 horas anteriores checando as praias de surfe de Ferrol, como Doniños e Pantin – que receberam recentemente etapas de campeonatos internacionais – ficou claro que mesmo El Ferrol del Caudillo, como a cidade era conhecida durante o governo do ditador e por vários anos após sua morte, adotou uma postura mais relaxada e moderna. Há poucos anos, a grandiosa estátua de bronze de Franco montado a cavalo foi discretamente transferida para o charmoso museu naval da cidade.
Trinta minutos e cerca de 30 paradas a leste de Ferrol, nós desaparecemos em vales de florestas cerradas dominadas, surpreendentemente, por eucaliptos prata-azulados. As árvores que crescem rapidamente foram introduzidas após séculos de construção da Armada Espanhola ter deixado o país quase sem árvores. Passando Ortigueira, perto da ponta mais ao norte da Espanha, as árvores dão lugar à vista do azul do Atlântico enquanto o trem entra e sai de túneis até, momentos depois, a terra desaparecer repentinamente enquanto o trem passa por sobre a entrada deslumbrante, semelhante a um fjord, de Ria do Barquiero.
Com quatro trens por dia, é fácil parar para almoçar e explorar cidades pitorescas como Viveiro, com suas fileiras de casas bem cuidadas ao longo do porto, exibindo suas impressionantes gallerias, como as elaboradas sacadas fechadas em vidro são chamadas. A cidade é cheia de monumentos do século 14, 15 e 16, como o Portal de Carlos 5º ou o Convent de las Concepcionistas com sua réplica da gruta de Lourdes.
Uma rápida parada no restaurante O Muro forneceu uma amostra do encorpado vinho albariño com suculento pulpo a la gallega, uma iguaria de polvo grelhado salpicado com páprica.
Depois de uma hora pelos trilhos na direção leste, a pequena cidade de Ribadeo domina o estuário pitoresco do Rio Eo, a fronteira entre a Galícia e Asturias. Apesar de sua crescente popularidade entre os turistas de fim de semana, grande parte da cidade parece dividida, com muitos de seus prédios mais grandiosos abandonados, enquanto simultaneamente seu porto se enche de embarcações de lazer nos fins de semana e novos bares e restaurantes ocupam as estruturas mais humildes ao longo do cais. Também não devem ser perdidos os arcos abobadados, as cavernas e formações rochosas da vizinha Playa de las Catedrales na porção Mar Cantábrico da Baía de Biscaia – entre as mais belas praias em toda a Espanha.
Eu desembarquei na manhã do dia seguinte em Astúrias, para caminhar cerca de oito quilômetros de uma rota de 19 km que serpenteia ao longo de um caminho bem marcado, que segue a costa elevada da pequena cidade de Navia. Em uma paisagem de verdes e azuis intensamente saturados, a areia cinza das praias – efeito de muita ardósia no solo – torna os badalado balneários de areias brancas do Mediterrâneo um tanto prosaicos em comparação. Samambaias e hortênsias proliferam sob densos bancos de pinheiros que pontilham as terras agrícolas, além de ficarem penduradas nas encostas rochosas. O imenso Parque Histórico do Rio Navia conta com cerca de uma dúzia de rotas que cruzam a bacia do rio das terras altas montanhosas até a costa escarpada, oferecendo a chance de explorar cachoeiras, cidades de mineração romanas e ruínas celtas.
De volta ao trem, seguindo para a província de Cantábria, eu fui induzido a um torpor pastoral pelos cumes que acenam da cadeia de montanhas Picos de Europa e quase não vi a estação deserta de San Vicente de la Barquera até estar ao lado dela na plataforma e o trem partir. Telefonando para o hotel do celular, consegui rapidamente encontrar um táxi, e dez minutos e oito euros depois, estava diante de uma vista que caminharia alegremente para ver.
Se a Suíça fosse uma ilha no Atlântico, ela poderia se parecer com San Vicente. As águas na pequena baía na boca do Rio San Vicente chegam ao vale em tantas direções que parece que tanto as montanhas quanto o mar estão por todos os lados. Um promontório alto e estreito parece cortar a água como um navio seguindo para o mar. Foi lá que a velha cidade, com seu castelo medieval e palácios renascentistas, foi construída. Sons de sinos de vacas e gaitas de fole aumentam mística extraordinária da região marítima-alpina-celta.
De volta ao nível do mar, o restaurante Boga Boga acenava. Quando perguntado sobre as especialidades da casa, Antonín, o gerente, pegou uma lagosta bogavante de 4,5 quilos de um tanque por tempo suficiente para acená-la para mim antes de ela escapar dele e submergir de novo. Ele então insistiu para que provasse o callos del mar, um cozido de tripa de tamboril que, enfeitada com toicinho e chouriço, lembrava a fabada asturiana. Felizmente seu sabor era mais próximo do prato mais típico, baseado em feijão.
Os turistas nunca se aproximam dessas coisas, ele disse, fazendo com que me sentisse um dos moradores locais, que começaram a chegar em grande número por volta das 23h30, para drinques e fofoca.
Na manhã seguinte, eu encontrei Manuel, meu taxista do dia anterior, em frente do Boga Boga, e algumas estradas sinuosas depois, eu estava de volta ao trem, a caminho de Santander, o ponto de conexão das linhas FEVE e o fim da linha para mim. Eu tinha apenas 10 minutos para pegar um ônibus para o aeroporto e voar de volta para a frenética Madri, onde um trem velho tedioso desses certamente teria sido substituído nos últimos anos.
Se Você For
Os trens FEVE locais nos quais viajei compartilham os trilhos com o El Transcantabrico, um elegante trem de luxo que pode acomodar até 50 passageiros em cabines luxu
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