O transporte ferroviário de cargas ainda é pouco utilizado no Brasil, principalmente em comparação ao transporte rodoviário, devido às altas tarifas cobradas no mercado interno. O alerta, em tom de crítica, foi feito por usuários das ferrovias, concessionárias e até pela agência reguladora do setor durante o seminário “Terminais, Ferrovias e Contêineres”, realizado na última semana, em São Paulo. Os altos custos para o transbordo de contêineres e a falta de terminais para estocagem de carga no interior do País faz com que a maior parte dos embarcadores opte pelo serviço rodoviário. Apesar do congestionamento e da falta de segurança nas estradas, essa opção garante o transporte porta a porta com um preço final muito abaixo do que se encontra nas ferrovias.
O incentivo ao transporte ferroviário foi bastante discutido durante o evento. A intenção dos envolvidos é atrair a carga geral para as linhas férreas. Esse tipo de mercadoria ficou afastado das ferrovias durante muitos anos. A prioridade do setor ainda é o transporte de ferro, aço e minério. A concessionária América Latina Logística (ALL), por exemplo, revelou que a movimentação de contêineres representa menos de 1% do volume operado pela empresa no Brasil. O objetivo, no entanto, é aumentar essa participação para até 15% a médio prazo.
Segundo o presidente da Câmara Brasileira de Contêineres (CBC), Silvio Vasco Campos Jorge, o transporte ferroviário desse tipo de equipamento é limitado economicamente devido aos altos custos de transbordo. “O uso das ferrovias só é viável em distâncias a partir de 400 quilômetros e com as pontas devidamente absorvidas. O intermodal precisa funcionar efetivamente. Mas isso ainda não acontece”.
Para ser competitivo, explicou ao PortoGente, o transporte intermodal precisa desfrutar de uma estrutura adequada de transbordo e de estocagem da mercadoria. Os pátios de serviço no interior do País, entretanto, ainda são praticamente inexistentes. E os terminais portuários estão repletos de gargalos. Para complicar, o investimento para alterar esse panorama, salienta o presidente da CBC, é muito caro. De acordo com ele, para montar um pátio, com equipamento para operações de carga e descarga de produtos, é preciso de cerca de 500 mil dólares.
A importância da redução das tarifas ferroviárias também foi destacada pelo diretor-geral da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), Bernardo Figueiredo. Ele afirma que as ferrovias não têm condições de competir com o transporte rodoviário em termos de velocidade e que por isso é preciso oferecer ao mercado um custo menor e índices elevados de segurança e de regularidade. “Até porque a vantagem do caminhão é fazer o transporte door to door”.
A ANTT, segundo seu diretor-geral, está discutindo a criação de um instrumento de controle de mercado que permita reduzir o patamar da tarifa desse modal de transporte. Figueiredo lamenta que as concessionárias das ferrovias absorvam todos os ganhos quando o Governo Federal investe em infraestrutura e consegue diminuir o custo das operações. A intenção é fazer com que os ganhos da redução de custos cheguem aos embarcadores de carga. Dessa forma, será possível concorrer com o transporte via caminhões.
Interiorização
O diretor de Industrializados da ALL, Sérgio Nahuz, aponta a falta de postos de serviço para a movimentação de contêineres no interior do País como um dos principais fatores para os altos custos do transporte ferroviário. “Sem esses terminais, o contêiner vai vazio até o porto somente para passar por uma manutenção. É um custo muito grande”. Outra queixa da empresa é a inexistência de depots com desvio ferroviário nos portos, fato que adiciona custos para colocação do contêiner na linha ferroviária.
Nahuz avalia que a criação de novos terminais de captação no interior ocasionará ganho de escala e de regularidade no transporte de contêineres via linha férrea. Ele ressalta que a concessionária já está participando, por meio de acordo operacional, da instalação desse tipo de serviço nos estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso. “Com esses postos, o contêiner poderá ser estufado no interior e levado para os portos com menos gastos”.
A necessidade de interiorização das operações de carga geral também fez parte do discurso do gerente da filial de Santos (SP) da Hamburg Süd, Gustavo Alves da Costa. A iniciativa, de acordo com ele, dará condições para o crescimento da movimentação de cargas e do uso do transporte intermodal no País, já que os portos brasileiros se encontram repletos de gargalos. Ele alerta, todavia, que é preciso cuidado na abertura desse tipo de terminal para não concentrar os empreendimentos em determinadas regiões e causar concorrência desnecessária. “Não é inteligente abrir vários terminais em uma só área de influência e acabar competindo por uma demanda reduzida”.
Números
Alguns dados divulgados pela Câmara Brasileira de Contêineres deixam explícito o quanto as ferrovias podem evoluir em termos de transporte de contêineres. O presidente Silvio Vasco lembrou que em 1997, antes da concessão das linhas férreas à iniciativa privada, apenas 3.425 TEUs circulavam nesse modal de transporte. Dez anos depois, o número cresceu para cerca de 220 mil TEUs. “Mais isso ainda é pouco num universo de oito milhões de contêineres que o Brasil movimenta [por ano] entre longo curso e cabotagem. A operação com contêineres nas ferrovias pode ser feita com grande velocidade e eficiência. O que falta mesmo é carga, é a atração de cargas para as ferrovias”.
Seja o primeiro a comentar