Controladoria apurará sobrepreço na Norte-Sul

A Controladoria Geral da União (CGU) assumirá esta semana sindicância interna instaurada na Valec Engenharia, responsável pelo acompanhamento das obras da ferrovia Norte-Sul, para apurar denúncias de várias irregularidades, inclusive sobrepreço de quase R$ 500 milhões no orçamento da obra. Seriam R$ 595 mil a mais por cada quilômetro construído.


Na sexta-feira, o ministro Jorge Hage enviou ofício ao presidente da empresa, José Francisco das Neves, informando-o da decisão. A sindicância interna foi aberta em dezembro do ano passado pela estatal, até agora sem resultados.


Inquérito da Polícia Federal, na Operação Boi Barrica, de outubro de 2008, acusa o diretor de Engenharia da estatal, Ulisses Assad, de integrar uma “organização criminosa”, da qual faria parte Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). De acordo com a PF, o grupo teria como objetivo superfaturar e direcionar obras na Valec, além de atuar no setor de energia.


Só em dois trechos da ferrovia, auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) detectaram sobrepreço de R$ 466 milhões, cerca de R$ 595 mil por quilômetro. Por isso, em abril conselheiros do TCU referendaram uma decisão que já haviam tomado: a retenção de parte dos pagamentos às empreiteiras.


Fiscalização falha ou inexistente


A CGU, que desde meados de 2007 acompanha a construção da ferrovia, também apontou vários problemas. As irregularidades identificadas coincidem com o que constataram técnicos do TCU e com o que aponta relatório da PF com base em escutas telefônicas legais.


Planejada pelo então presidente da República, José Sarney, e citada no escândalo que atropela a família por conta de flagrantes de escutas realizadas pela PF, a ferrovia Norte-Sul teve início em março de 1987 e até 2005 vinha se arrastando vagarosamente.


Com o presidente Lula, ganhou impulso. Do traçado original de 1.550 km, entre Açailândia, no Maranhão, a Anápolis, em Goiás, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) aumentou sua extensão, no ano passado, em mais 1.526 km. Até agora, a obra já consumiu R$ 1,5 bilhão, e a estimativa é que sejam necessários mais R$ 3 bilhões para a conclusão.


A CGU identificou, por exemplo, “deficiência ou inexistência de fiscalização” da obra. Diálogos captados pela PF mostram uma fiscal da Valec, Márcia Barros, e Ulisses Assad, diretor da estatal, falando sobre como favorecer empresas ligadas ao grupo de Fernando Sarney. A CGU apontou ainda pagamento a mais com base em medições incorretas, liquidação e pagamento por obras não realizadas e subcontratação não comunicada.


Na Operação Boi Barrica, a PF revelou que, no trecho entre Santa Isabel e Uruaçu, em Goiás, a Constran repassou à Lupama e à Empresa Industrial Técnica (EIT) 33,3% da obra. As duas seriam ligadas ao esquema de Fernando. A segunda não tem sede nem empregados.


No trajeto entre Aguiarnópolis e Palmas, com extensão de 504 quilômetros, os conselheiros do TCU impuseram que a Valec retenha 10% dos pagamentos a serem realizados. Nesse trecho, os auditores apontaram sobrepreço de R$ 294 milhões.


Já entre Anápolis e Uruaçu, em Goiás, o TCU mandou a Valec deixar de pagar 40% de cada medição.


Segundo técnicos do tribunal, houve sobrepreço de R$ 172 milhões nesse contrato.


Em abril, o conselheiro do TCU e relator do processo, Aroldo Cedraz, desconsiderou pedido da construtora Camargo Correa, uma das que atuam na ferrovia, para que revisse a medida que determinou a suspensão de pagamento de 40% dos valores auferidos nas medições. Os técnicos apontaram irregularidades nos contratos com as construtoras, como direcionamento do processo licitatório; ausência da retenção de tributos, pela Valec, quando do pagamento às empreiteiras; deficiência do projeto básico e sobrepreço decorrente de BDI (despesas indiretas da obra) excessivo e de preços superiores aos de mercado.


Nos contratos para o trecho Aguiarnópolis-Palmas, os auditores anotaram: “O sobrepreço decorre de inúmeras causas, entre as quais o fato de que o orçamento considerou brita comercial e não brita extraída, sobrepreço nos dormentes e BDI muito acima do BDI de referência”.


O presidente da Valec, José Francisco das Neves, disse, por meio da assessoria de imprensa, que a estatal está cumprindo as determinações do TCU. E nega superfaturamento: “A Valec não reconhece a existência de sobrepreço na construção da ferrovia Norte-Sul, já tendo, inclusive, apresentado a sua defesa, neste sentido, ao Tribunal de Contas da União”. “A Valec também rebateu o relato de sobrepreço dos auditores em relação ao trecho goiano da ferrovia Norte-Sul e a sua defesa, com toda documentação respaldando sua argumentação, foi encaminhada ao TCU”, disse em nota.


No que se refere à licitação em referência, diz que a mesma obedeceu à Lei 8.666 (de licitações).


“Inclusive, foi objeto de fiscalizações anteriores do próprio TCU, sem que fosse apontada qualquer irregularidade. Além disso, o resultado da mesma conta com respaldo de decisão judicial”, afirma.


MP: grupo tem posição privilegiada em estatais e órgãos de fiscalização


Nas interceptações telefônicas captadas pela Polícia Federal com autorização judicial, os policiais identificaram conversas entre uma auditora interna da Valec, Márcia da Silva Barros, e o diretor de engenharia da estatal, Ulisses Assad, que, no entendimento da PF, demonstram manipulação na fiscalização em benefício do grupo ligado a Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDBAP).


O relatório do Ministério Público Federal constata que as fraudes são facilitadas por pessoas que têm cargos importantes em estatais. Essas pessoas seriam indicadas pelo grupo político ligado à família Sarney.


O texto do Ministério Público atesta: “As fraudes na execução são possíveis porque o grupo criminoso, além de ser composto de membros que estão em posição privilegiada dentro da Eletrobrás, Petrobras e Valec, ainda possui colaboradores dentro dos órgãos de fiscalização, como, por exemplo, Márcia da Silva Barros, auditora interna da Valec, Ricardo de tal (não identificado), que trabalha na Controladoria Geral ou no Tribunal de Contas da União, e Ezequiel de tal (não identificado), o que permite que as próprias fiscalizações in loco sejam manipuladas”.


Num dos trechos captados, há suspeita de que a fiscalização da Valec fez vista grossa sobre uma diferença entre o que foi colocado, de fato, de dormentes na ferrovia Norte-Sul e a medição.


Auditoria do Tribunal de Contas da União realizada no ano passado apontou que, em alguns casos, há sobrepreço de até 30% nesse quesito. Uma conta feita pelos auditores sugeriu que há um superfaturamento de R$ 194 milhões somente na compra dos dormentes.


Na gravação que envolve Ulisses Assad e Márcia, ela tenta fazê-lo ver que havia uma boa diferença no trecho medido e no que ia ser pago. O relatório do Ministério Público Federal descreve a conversa desta maneira: “Márcia pergunta se ele (Ulisses) viu o resultado do levantamento (dos dormentes).


Ulisses diz que viu, que é de 0,5% (meio por cento) de diferença. Márcia diz que, se ele não falar em porcentagem e mostrar em 50 km, só dois (km) foram a favor deles; o resto tudo foi contra e, se multiplicar pelo valor do dormente, dá uma diferença de R$ 260 mil. Ulisses diz que é 0,5%, que é normal, que está dentro da norma, que é de 1%, que são 83.520 dormentes”.


Segundo o texto do MP, há preocupação do grupo com a fiscalização do TCU: “Márcia estranha que em 50 só dois a favor deles, que achou isso complicado, que acha que vai dar um texto retumbante, porque dois a favor deles (2 km) e 48 contra (48 km), Márcia acha que eles vão fazer um belo carnaval (o TCU). Márcia comenta que o Oscar (TCU) foi de mesa em mesa perguntando coisas e que Márcia perguntou a ele se ele ia continuar fazendo aquilo e que ele re

Fonte: O Globo

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