Onze anos depois do concessionamento, as ferrovias de carga brasileiras melhoraram em quase todas as direções, menos uma: continuam excessivamente concentradas no transporte de granéis para exportação e deixam de lado o transporte de carga geral, que é o que interessa para a sociedade. Nota-se, no entanto, sinais claros de mudança. Existe forte disposição das operadoras de fazer crescer significativamente, já este ano, o transporte de contêineres. E existe a Log-In Logística Intermodal S.A., que se define como “a primeira e única empresa no Brasil, na área de logística, capaz de oferecer à sua empresa soluções integradas para a movimentação portuária e o transporte de contêineres porta-a-porta por meio marítimo ou ferroviário”.
Criada em maio de 2007, por decisão da Vale – que preferiu concentrar-se no core business dos granéis – a empresa tem uma vocação nitidamente ferroviária, como diz nesta entrevista seu presidente, Mauro Dias. Operando preferencialmente pela FCA (Mauro foi presidente da operadora), os contêineres da Log-In foram responsáveis, no ano passado, por 10% da produção da ferrovia. São plásticos e produtos químicos da Brasken e da Monsanto, autopeças da Ford e da Mitsubishi, produtos alimentícios da Nestlé, da Itambé e da Ambev, produtos de higiene da Kimberly Clark, da Ypê e da Unilever, arroz da Camil, produtos siderúrgicos da Gerdau e milhares de itens que, se não estivessem no trem, estariam nos caminhões, lotando nossas rodovias, poluindo o ar e provocando acidentes.
– A verdade é que o rodoviário sempre teve um custo que a sociedade toda pagou – diz Mauro. Engarrafamentos, acidentes, estrada esburacada, enfim. Só que hoje a sociedade está mais madura e não aceita como aceitava antes.
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Mauro Dias é diretor-presidente e de Relações com Investidores da Log-In Logística Intermodal desde fevereiro de 2007. O executivo trabalhou durante 20 anos na Vale, onde assumiu diversos cargos na área logística, como diretor do departamento de Comercialização de Logística. Ele foi diretor-presidente da Navegação Vale do Rio Doce – Docenave (antecessora da Log-In). Ocupou ainda os cargos de presidente da ANTF e de diretor-presidente e de Relações com Investidores da FCA. Dias é graduado em engenharia mecânica e economia pela Universidade Federal do Espírito Santo, com MBA na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), nos EUA.
RF – As concessionárias ferroviárias transportam hoje menos carga geral do que faziam a Rede Ferroviária e a Fepasa. Por que isso?
Mauro Dias – A partir da segunda metade da década de 1990, quando veio a privatização, as ferrovias começaram a retomar o seu mercado. Mas começaram, obviamente, por aquele mercado natural, que são as commodities, em que a ferrovia tem uma competitividade clara. Granéis agrícolas, minérios, produtos siderúrgicos. É natural que fosse assim. Por quê? Porque essa é a carga de volume, é a carga que viabiliza os pesados investimentos que a ferrovia tem que fazer. No caso nosso, da Log-In, entendemos que o salto seguinte é exatamente trazer de volta para a ferrovia o mercado de maior valor agregado, isso dentro de um modelo em que o operador ferroviário, de certo modo, pode replicar o que já possui no mercado de granel, que é escala e volume. E com escala e volume ele poderá fazer os investimentos que precisa.
RF – Dr. Eliezer Baptista gosta de dizer que para ele contêiner é granel.
Mauro Dias – E é, porque se você tem um trem unitário, com volume e regularidade, você de certo modo está replicando o trem de granel. E se, além disso, você tem uma operação de terminais eficiente, você de certo modo replica o modelo operacional do granel. Agora, para fazer isso, é preciso reconhecer as características do mercado de varejo, que requer outros serviços além do ferroviário. É preciso coletar no ponto de coleta e entregar no ponto do destino, quer dizer, é preciso de fato fazer intermodalidade.
RF – E a ferrovia brasileira já é capaz disso?
Mauro Dias – Eu acho que houve melhoria no nível de serviço das ferrovias. Para buscar eficiência no granel, elas acabaram criando eficiência no sistema como um todo. Pode melhorar ainda mais, é claro. Permanece a questão, por exemplo, de travessia de cidades, dos gargalos ferroviários, que são o principal inibidor para que se dê o salto de crescimento na intermodalidade. Mas, sem dúvida, as ferrovias têm hoje uma situação operacional diferente. Só não estamos reinventando a roda. Lá fora, nas ferrovias Classe I americanas, o contêiner representa 30% da produção. Aqui eu acho que nós estamos caminhando, estamos caminhando.
RF – Por que então existe tanta resistência, ou existia até agora, na ferrovia brasileira, em transportar carga geral? Por causa da competição do caminhão?
Mauro Dias – Para ter um serviço eficiente, primeiro você precisa fazer o porta-a-porta. Precisa então ter uma operação rodoviária adequada. Não por outro motivo nós estruturamos nossa própria operação de transporte rodoviário.
RF – Vocês têm caminhões?
Mauro Dias – Temos 160 semirreboques próprios para contêineres e trabalhamos com agregados. E na ferrovia, como a gente opera? Eu não pego carona num trem do cliente A, B ou C. Nós compramos o trem inteiro. E o modelo é um trem unitário, entre o ponto A e o ponto B, com horário de partida e de chegada.
RF – Cheio ou vazio?
Mauro Dias – Exatamente. O risco de mercado é nosso. Mas acontece que, se eu tenho um trem unitário, já estou numa condição similar à de uma operação de granel, do ponto de vista da operação ferroviária. Que, por conta disso, pode buscar suas eficiências e ter um nível de custo menor. Outra questão é que a gente opera 12 meses por ano, enquanto boa parte das cargas ferroviárias, principalmente as cargas agrícolas, tem sazonalidade forte. A carga industrial não. Tudo isso dá à ferrovia condições de capturar uma parte do mercado de carga industrial. Na medida em que esse nível de serviço continue melhorando, reduzindo o transit time, reduzindo o custo, enfim, você pode atrair mais mercado.
RF – Mas e a concorrência? O trem nunca ganhou do caminhão na carga geral, que eu me lembre.
Mauro Dias – Eu acho que, a cada dia que passa, a tendência é de que o caminhão… Não vou dizer que ele esteja perdendo a competitividade, mas ele passa a competir numa base similar à da ferrovia. E em que base a ferrovia compete? Ela banca toda a sua infraestrutura. Hoje o caminhão começa a pagar mais pedágio e a bancar ele também a infraestrutura. A ferrovia é um negócio 100% regulado. O caminhão era, até agora, um negócio totalmente desregulamentado, mas já começa a ter que regular a idade da frota, a permissão, o sobrepeso. A verdade é que o rodoviário sempre teve um custo que a sociedade toda pagou: engarrafamento, acidentes, estrada esburacada, enfim. E hoje a sociedade está muito mais madura e não aceita como aceitava antes. Contra o caminhão tem ainda o preço do petróleo. Estamos vivendo um momento de queda no preço do petróleo, mas a tendência para o futuro é de a energia ser cada vez mais cara, o que tende a beneficiar os modais mais eficientes. Outra coisa que era muito ruim para a intermodalidade era o ambiente de inflação alta e taxa de juros alta. Carregar estoque era uma coisa proibitiva. Era melhor mandar de avião.
RF – De Manaus…
Mauro Dias – Exatamente. De qualquer lugar. Por quê? Porque o importante era o tempo. E hoje estamos num período de estabilidade macroeconômica maior, que foi um dos grandes ganhos do País nos últimos anos. Outro ponto ainda é o custo de capital. Embora em níveis ainda altos, esse custo é hoje bem menor que no passado. E, com isso, os negócios de capitais intensivos não têm mais aquela desvantagem. E tudo que eu estou falando para o trem vale também para a navegação. É um momento de um amadurecimento desse cenário, em que a intermodalidade passa a ter uma
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