Preço, subsídio e tecnologia do trem

Denise Neumann, editora do jornal Valor Econômico


A ideia de um trem-bala entre Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro capaz de fazer o passageiro (seja um viajante de negócios, seja um turista) embarcar no Campo de Marte, na capital paulista, às 8 horas da manhã e desembarcar no centro do Rio às 9h34 é muito tentadora. A tentação, contudo, não justifica fechar os olhos para um projeto extremamente complexo, caro e que pode frustrar expectativas de transferência de tecnologia e participação da indústria local.


O primeiro trem-bala brasileiro tem um custo de construção estimado entre R$ 55 milhões e R$ 60 milhões por quilômetro, sem considerar desapropriações e compensações ambientais. Transformado em euros, esse valor representa um custo entre 19,5 milhões de euros e 21,5 milhões de euros, o que o torna superior ao custo por quilômetro dos projetos europeus (a maioria deles em trechos com topografia mais plana que a do trecho SP-Rio), mas é mais barato que o custo médio japonês (25 milhões de euros). O custo também é inferior ao dos dois projetos até agora mais caros entre os trens que entraram em operação até 2006, o da Coreia do Sul e o de Taiwan, cujos valores por quilômetro de construção foram de 34 milhões de euros e 39 milhões de euros, respectivamente. Além da topografia, a grande diferença entre os projetos está relacionada à pré-existência de um traçado de trem convencional. Quando ele existe, reduz custos e facilita a construção da linha de alta velocidade.


Os dados que permitem alguma comparação entre o custo estimado para o trem-bala SP-Rio constam de um estudo publicado na revista do BNDES de junho do ano passado (Trens de Alta Velocidade: Experiência Internacional, de Sander Magalhâes Lacerda) e foram extraídos de um trabalho apresentado em 2006 na Conferência Anual da Indústria Ferroviária, de autoria de Javier Campos, Ginés de Rus e Ignacio Barron, os dois primeiros da Universidade de Las Palmas (Espanha) e o terceiro, representante da indústria do setor.


O estudo considerou custos de infraestrutura e superestrutura e desconsiderou gastos com desapropriação e outras medidas socioambientais. Seguindo essa regra, do custo brasileiro estimado em R$ 34,6 bilhões, foram excluídos R$ 3,89 bilhões de desapropriações. Com material rodante na conta (no estudo não fica claro se esse componente entra ou não no custo apresentado), o valor do projeto SP-Rio fica em R$ 30,7 bilhões ou cerca de 11 bilhões de euros (21,5 milhões de euros para cada um dos 510,8 quilômetros). Sem material rodante (R$ 2,74 bilhões do valor total), o custo por quilômetro cai para 19,5 milhões de euros.


É caro, mas o projeto não indica que o Brasil vai construir o trem-bala mais caro do mundo. Os projetos da Coreia e o de Taiwan se assemelham ao brasileiro porque foram construídos em regiões de topografia desfavorável. O trem de alta velocidade da Taiwan, por exemplo, possui 90% do seu trajeto em túneis – muito mais que os 19% previstos para o trajeto brasileiro, segundo informa o estudo do BNDES. No caso da Coreia, outro alerta: o custo final ficou 63% mais caro que o valor projetado.


Além de mostrar a enorme disparidade de custos entre os projetos em função de diferentes aspectos, os estudos chamam a atenção para um elemento importante: a participação do setor público. Enquanto na França o governo opera o serviço, na Espanha os recursos do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional têm ajudado a ampliar a linha férrea de alta velocidade, e na Coreia 35% dos recursos vieram diretamente do governo e mais 10% foram bancados por empréstimos garantidos por ele.


No Brasil já está claro para os membros do governo responsáveis pelo projeto que ele só sairá do papel com um elevado nível de subsídio. Entre as opções em estudo (e que devem ser combinadas ao final) estão alternativas baratas de financiamento (que reduzam o custo de alavancagem do projeto), a participação do governo (ou governos) nos custos de desapropriação e a redução (ou mesmo eliminação) do custo tributário do projeto. A intenção é já garantir, no edital, segurança de financiamento, com prazo longo e carência. No modelo em elaboração, um dos elementos para definir o vencedor da licitação será o consórcio que bancar a maior parte do projeto, exigindo a menor contrapartida pública. O governo já lista pelo menos quatro grupos muito interessados na licitação – o coreano, o francês, o japonês e a dobradinha germano-espanhola.


Para os defensores do projeto no governo, as dificuldades topográficas entre as duas maiores metrópoles do país não são um empecilho ao trem de alta velocidade. Elas podem encarecê-lo, mas não o tornam inviável. Uma das premissas para garantir a viabilidade econômico-financeira do trem-bala, lembra um dos envolvidos na formatação do projeto, é transformar Viracopos em um grande hub do transporte aéreo. Assim, a construção do trem-bala permitiria adiar por alguns bons anos a necessidade de um terceiro aeroporto na região metropolitana de São Paulo.


Ao mesmo tempo em que fica claro que a União vai mesmo bancar uma boa parte do trem-bala, outra discussão começa a aparecer com mais pragmatismo no governo: a transferência de tecnologia. Quem vai receber a tecnologia?, pergunta a fonte envolvida nas discussões. A estrutura industrial brasileira, lembra, é quase a mesma de 25 anos atrás. Leva tempo para desenvolver, no país, algo que não temos, pondera. No caso do pré-sal, compara, os projetos são de mais longo prazo e maior volume. Faz sentido e dá tempo para atrair fabricantes pesados para o Brasil. No caso do trem-bala, por enquanto, o país tem um projeto de 510,8 quilômetros, 84 trens (na segunda e distante etapa) e cinco anos para a primeira viagem.


O trem-bala é um projeto importante e traz benefícios que vão além da própria comodidade do transporte, como a menor emissão de gases poluentes e menor risco de acidentes. Quando um projeto agrega valor para a vida da população, justifica-se a maior presença estatal, inclusive na forma de subsídios. Mas a conta precisa ser muito bem feita porque ela será repartida por todos, e não apenas pelos futuros usuários.

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Fonte: Valor Econômico

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