A Vale de hoje, que está no alvo das críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é bem diferente da empresa que foi privatizada em 1997. A companhia – a maior firma privada do Brasil e da América Latina – exibe números que a tornaram uma gigante, com receita de US$ 38,5 bilhões em 2008, comparável ao Produto Interno Bruto (PIB, soma de produtos e serviços produzidos em um ano) do Uruguai. Sua receita aumentou em oito vezes, o lucro líquido foi multiplicado por 29, seu valor de mercado passou de cerca de US$ 8 bilhões para US$ 125 bilhões, e o número de empregados, que era de 10 mil, está em 60 mil.
Além de maior produtora de minério de ferro do mundo, a Vale assumiu uma posição preponderante em outros setores vitais para a economia brasileira, como agronegócio, logística e geração de energia. A Vale administra as principais vias férreas, controla grandes portos, possui nove hidrelétricas e é a única produtora no país de insumos para fertilizantes. Seus investimentos, na casa dos R$ 18 bilhões, chegam a todas as regiões, e sua rede de fornecedores, de 10 mil empresas, só é inferior à cadeia de companhias que orbitam em torno da Petrobras. A Vale também figura como maior consumidora de energia elétrica, diesel e biodiesel do Brasil.
Apesar dos números e de uma estratégia de sucesso em um setor globalizado, a Vale tem sido alvo de críticas do presidente Lula. O governo está insatisfeito com a condução dos investimentos da empresa, que, buscando lucros, muitas vezes toma decisões que não estariam desenvolvendo diretamente a indústria nacional. Em fevereiro, em viagem a Recife, o presidente classificou como um absurdo as demissões que a empresa fez em meio à retração causada pela crise mundial – Lula disse que ligou para o presidente da empresa, Roger Agnelli, para reclamar. Em setembro, Lula questionou a compra de navios chineses.
– É impossível a Vale continuar comprando navio na China quando a gente está montando a indústria naval aqui – disse Lula na ocasião.
Operador diz que Eike pode estar sendo usado pelo governo
As reclamações de Lula não repercutem bem, segundo analistas de mercado. Além de afetar a imagem da empresa, alguns especialistas sugerem que o presidente tenta influenciar as estratégias de negócios de uma empresa privada, mas que possui em seu controle acionário instituições de forte caráter estatal. A BNDESpar (braço de participações em empresas do BNDES), por exemplo, é estatal, e os fundos de pensão sofrem forte influência política. Assim, as opiniões de Lula sobre a Vale não são tão ineficazes quanto as críticas que ele costumeiramente faz a bancos.
Os analistas veem com certa desconfiança o interesse de Eike na Vale. Segundo um operador que pediu para não ser identificado, o empresário pode estar sendo usado pelo governo para pressionar a troca de controle na mineradora. Em sua avaliação, se o interesse de Eike for real, ele pode fazer uma oferta pública hostil (diretamente aos acionistas), mas este não parece ser o perfil do empresário.
Para outro analista, o risco é que Eike influencie a Vale a negociar com as empresas de seu grupo, o EBX. No entanto, para a Vale, essa influência seria prejudicial, pois caracteriza conflito de interesse. A presença de Eike na Vale facilitaria até a venda dos braços de mineração (MMX) e logística (LLX) de seu conglomerado:
– Com ele na Vale, fica mais fácil seduzir acionistas para a compra das duas companhias, apesar de a Vale nunca ter manifestado interesse nessas empresas – afirmou uma fonte.
Vale, fundos de pensão e Eike Batista não comentaram as movimentações que ocorrem nos entornos da Vale. A Petros, fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, que está no controle da empresa, informou que não pensa em vender sua parte na Vale.
Lula orquestra troca na Vale
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva comanda, nos bastidores, uma ofensiva para desestabilizar o executivo Roger Agnelli na presidência da Vale, a maior empresa privada do Brasil. Como mostra reportagem do GLOBO, publicada nesta quarta-feira, nos últimos 15 dias, o presidente deu sinal verde aos fundos de pensão estatais sócios da mineradora e à ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, para publicamente cobrar e criticar a gestão da empresa. Desde a privatização, em 97, o valor de mercado da Vale passou de US$ 8 bilhões para US$ 125 bilhões, e o total de empregados, de 10 mil para 60 mil.
A estratégia foi reforçada com a adesão cuidadosamente pensada do empresário Eike Batista. Estimulado por Lula, o dono do grupo EBX deu entrevistas contundentes no fim de semana atacando as escolhas de Agnelli – que, na terça-feira, viajou às pressas a Brasília para tentar uma audiência com Lula, que lhe foi negada. O Palácio do Planalto alegou que a agenda do presidente da República estava lotada.
No núcleo do governo, a percepção é que Agnelli ficou muito preocupado com as investidas de Eike. A avaliação reservada é que isto é positivo, pois, mesmo que não resulte na saída de Agnelli, pressiona o atual comando da Vale a retomar uma atuação mais afinada com os objetivos da União. Por isso, não existe articulação oficial ainda sobre nomes para substituir o executivo.
Desde o início do ano, quando a companhia foi fortemente afetada pela retração da economia mundial, Lula questionou a estratégia da Vale para escapar da crise. A demissão de cerca de quatro mil funcionários sem comunicação prévia ao governo, em fevereiro, foi a primeira fonte de descontentamento . A segunda foi o pé no freio em investimentos domésticos de longo prazo , como o Pólo Siderúrgico de Marabá, avaliado em US$ 5 bilhões. A gota d’água foi a campanha publicitária levada ao ar recentemente pela Vale, na qual destaca seu papel como empregadora e investidora no Brasil. A propaganda foi tida como bate-boca público com Lula.
Em maio, pouco antes de deixar a Turquia de volta para o Brasil, Lula criticou os cortes de investimentos previstos pela mineradora Vale .
Eike é o porta-voz que Lula precisava
O presidente encontrou em Eike Batista o porta-voz de que precisava. Lula o considera um empresário extremamente agressivo, ousado e realizador, e ficou impressionado com a ação de Eike para trazer as Olimpíadas ao Rio, tendo investido do próprio capital R$ 23 milhões. O presidente gosta do discurso de Eike de acreditar no Brasil e de seu estilo de trabalhar em parceria com o poder público.
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