Um corretor imobiliário sofreu um ataque de sinceridade no começo da década ao ofertar um apartamento no Butantã (zona oeste), nas imediações da futura linha 4-amarela do metrô, para um integrante do alto escalão do governo paulista.
Sem saber com quem falava, fez uma contrapropaganda do seu negócio: “O bairro é muito bom. Só não vou garantir que realmente terá metrô por aqui. Já cansamos de vender imóvel falando da estação, os anos passam e nada. Há quem venha reclamar com a gente, acredita?”.
Após mais de meio século de estudos, mais de 40 anos de planejamento, 15 anos de promessas, quase seis anos de obras e de ser palco da maior tragédia da história do metrô de São Paulo, a linha 4 está na reta final para ser inaugurada.
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Vista por especialistas como a mais importante ligação da rede sobre trilhos pelo menos das últimas três décadas e como a melhor notícia do transporte coletivo em 2010, ela mantém estações em fase de acabamento para que um trecho de 3,6 km entre a Faria Lima e a Paulista seja aberto ao público daqui a dois meses.
Os trilhos também já entraram na linha, permitindo que a Folha fizesse na última semana sua primeira viagem sobre eles -parte com um trem esmerilhador austríaco, de 28 metros, adquirido para a manutenção da via, parte a pé.
As duas primeiras composições coreanas que vão transportar os passageiros estão em testes no pátio da Vila Sônia. Também devem fazer sua primeira viagem experimental nesta semana, segundo previsão do Via Quatro (consórcio que vai administrar a linha, a primeira sob gestão privada).
Na semana passada, enquanto os paulistanos penavam com as consequências das enchentes e os engarrafamentos do trânsito, 30 metros abaixo do asfalto a cena era de calmaria. Alguns operários se permitiam até a cochiladas no subterrâneo da linha -que foi motivo de medo e incertezas quando a cratera na obra da estação Pinheiros deixou sete mortos em janeiro de 2007, no começo do governo José Serra (PSDB).
A passagem do trem pelos trilhos ainda requer precaução -placas limitam a velocidade a 10 km/h. Mas a quantidade de trabalhadores já não é tanta. É possível caminhar quase um quilômetro sem ver ninguém.
Os túneis escavados pelo tatuzão e outras máquinas do Consórcio Via Amarela estão prontos, e já há estações com escadas rolantes, câmeras e placas dos destinos finais da rota de 12,8 km: Vila Sônia e Luz.
Até a estação Pinheiros, que atrasou mais após a cratera, exibe sinais de acabamento interno -recebia pastilhas nas paredes. Assim como outras três (Butantã, Luz, República), ela só será entregue no segundo semestre deste ano. Até 2013, mais cinco ficarão prontas.
Os atrasos para tirar a linha 4 do papel se repetiram nas últimas gestões -inclusive a atual, que prometia entregá-la no primeiro semestre de 2009, após assumir a obra anunciada desde 1995 por Covas e iniciada apenas em 2004 por Alckmin.
As alegações foram diversas: da falta de dinheiro às dificuldades com financiamento externo e desapropriações. Na avaliação do engenheiro Rogério Belda, a questão política também contribuiu para que, mesmo planejada, não fosse nem iniciada antes. “Todo mundo só quer tocar aquilo que consegue inaugurar na gestão.”
A linha 4 terá características inéditas, como os trens automatizados, sem condutores.
A importância da ligação (que vai atrair 700 mil/dia e cuja obra custou R$ 2,3 bilhões) é quase unanimidade entre técnicos -até por ser integrada às linhas 1, 2 e 3. “Pela primeira vez haverá uma rede”, diz Belda. “O traçado é garantia de sucesso”, diz Cláudio Senna Frederico, ex-secretário do Estado.
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