Quem responde a pergunta do PortoGente é o professor Ricardo Oliveira de Souza, do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB) e do Programa de Pós-graduação em Transportes:
“Para recolocar o País nos trilhos seria preciso atuar em duas frentes de trabalho. Uma frente seria a malha ferroviária existente e a outra seria a implantação de novas vias férreas, interligadas às existentes atualmente. Do ponto de vista da malha ferroviária existente, é necessário repensar os traçados de algumas ferrovias para, por exemplo, prevenir futuros riscos de danos ambientais em caso de descarrilamentos. Em trechos cujos traçados não apresentam problemas, investir na recuperação da infraestrutura dessas vias. Nesse aspecto, se fosse desenvolvido um projeto de longo prazo, mediante parceria Governo Federal-concessionários, seria possível modernizar a infraestrutura ferroviária existente substituindo paulatinamente as vias em bitola métrica por vias de bitola larga.
Quanto à implantação de novas vias férreas, o Governo Federal tem realizado investimentos importantes. Nesse caso, é importante salientar que no caso ferroviário os custos de construção da via são geralmente superiores ao de uma rodovia tendo em vista as maiores limitações quanto às inclinações máximas das rampas e em consequência maiores volumes de cortes e aterros, além da necessidade de construção de mais pontes e túneis. Adicionalmente a infraestrutura da via, para que a ferrovia funcione plenamente, também são necessárias oficinas de manutenção do material rodante e seus respectivos aparelhos, equipamentos para manutenção da via, estações, pátios de manobra e centro de controle operacional”.
Confira a entrevista com o professor Ricardo Oliveira de Souza na íntegra:
PortoGente – Por que o Brasil abandonou as suas ferrovias e por que está tão difícil colocar o País nos trilhos?
Ricardo Souza – A implantação de vias férreas no Brasil teve seu apogeu entre 1904 e 1913 quando foram construídos 8.604 km de ferrovias. A partir de então começou seu declínio devido a alguns fatores como: desaparecimento de produção regional (café, por exemplo), que reduziu o volume de mercadorias transportadas; os traçados anacrônicos que não permitiam o aumento das velocidades operacionais; a utilização de bitola métrica na maior parte da rede implantada também não permitia o aumento do volume de carga transportada e para completar esse quadro, também havia problemas relacionados à obsolescência dos equipamentos empregados. Paralelamente, com apoio do governo federal, implantou-se no final da década de 1950 a indústria automobilística brasileira aliada à expansão da malha rodoviária nacional. A flexibilidade de rotas e facilidades que o modo rodoviário oferecia durante o transporte de passageiros e cargas certamente foram decisivas para seu crescimento e fortalecimento.
PortoGente – Como colocar o Brasil nos trilhos?
Ricardo Souza – Para recolocar o País nos trilhos seria preciso atuar em duas frentes de trabalho. Uma frente seria a malha ferroviária existente e a outra seria a implantação de novas vias férreas, interligadas às existentes atualmente. Do ponto de vista da malha ferroviária existente, é necessário repensar os traçados de algumas ferrovias para, por exemplo, prevenir futuros riscos de danos ambientais em caso de descarrilamentos. Em trechos cujos traçados não apresentam problemas, investir na recuperação da infraestrutura dessas vias. Nesse aspecto, se fosse desenvolvido um projeto de longo prazo, mediante parceria governo federal- concessionários, seria possível modernizar a infraestrutura ferroviária existente substituindo paulatinamente as vias em bitola métrica por vias de bitola larga. Também poderia ser avaliada a utilização de truques ferroviários que permitem a mudança de bitola, aliado as respectivas instalações fixas requeridas nos pontos de mudança de bitola na via. Na Europa, vários países utilizam essa tecnologia há muitos anos. Apesar do custo elevado, caso essa tecnologia pudesse ser empregada no Brasil, o governo federal poderia, por exemplo, reduzir os impostos para importação do produto e/ou criar uma linha de crédito para incentivar a substituição dos truques ferroviários convencionais. O governo federal poderia ainda fomentar a pesquisa e produção de tecnologia nacional para o desenvolvimento desse produto aqui no Brasil. Por outro lado, também é necessário enfrentar problemas de invasão das faixas de domínio e os inúmeros conflitos nas passagens de nível localizadas em áreas urbanas e metropolitanas. Além disso, ainda há problemas referentes ao marco regulatório envolvendo os atuais concessionários. É importante destacar que desde a realização das concessões da malha ferroviária, entre 1996 e 1998, alguns desses problemas já foram objetos de atenção das empresas concessionárias e do governo federal.
Quanto à implantação de novas vias férreas, o governo federal tem realizado investimentos importantes. Nesse caso, é importante salientar que caso ferroviário os custos de construção da via são geralmente superiores ao de uma rodovia tendo em vista as maiores limitações quanto às inclinações máximas das rampas e em consequência maiores volumes de cortes e aterros, além da necessidade de construção de mais pontes e túneis. Adicionalmente a infraestrutura da via, para que a ferrovia funcione plenamente, também são necessárias oficinas de manutenção do material rodante e seus respectivos aparelhos, equipamentos para manutenção da via, estações, pátios de manobra e centro de controle operacional. Logo, considerando todos os elementos mencionados, o investimento requerido torna-se significativamente maior comparado, por exemplo, com a implantação de um projeto rodoviário.
PortoGente – A privatização das ferrovias brasileiras, que neste ano completa 16 anos, foi uma decisão acertada para o desenvolvimento com eficiência e eficácia do setor?
Ricardo Souza – A concessão das ferrovias brasileiras permitiu que recursos privados fossem injetados para a recuperação de parte da malha sucateada. Os dados apresentados desde 1996 mostram que houve aumento no volume de cargas transportadas anualmente, diminuição do índice de acidentes e ressurgimento da indústria brasileira de vagões, entre outros. No entanto, o processo de concessão realizado naquela época não definiu claramente questões como o direito de passagem e tráfego mútuo, retomada do transporte de passageiros e ampliação dos traçados existentes por parte dos concessionários. Essas são questões que envolvem o marco regulatório do setor e precisam de revisão urgente.
PortoGente – Ainda hoje, como apontou estudo do Ipea, em 2009, 58% da produção do País é transportada por caminhão. Para não termos gargalos logísticos, como deveria ser essa proporção de transporte de carga no País?
Ricardo Souza – A matriz de transportes brasileira está desequilibrada. Em países com dimensões continentais como o Brasil, o volume de carga transportado por ferrovias varia, segundo o país, entre 40% e 50% do volume total de carga transportado.
PortoGente – As economias que investiram nas ferrovias têm mais sucesso? Por quê?
Ricardo Souza – Apesar dos custos iniciais elevados para a implantação e funcionamento de uma ferrovia, no longo prazo os investimentos são recuperados. Outro aspecto relaciona-se ao volume transportado em cada trem e a distância percorrida. Tendo em vista o transporte de cargas em longas distâncias, por exemplo, entre o Sul e o Nordeste do Brasil, no caso ferroviário o volume total transportado em um único vagão é significativamente superior ao que seria transportado em um caminhão, o que representaria uma redução do frete. Considerando que um trem é constituído por “n” vagões, essa redução de custos torna-se ainda mais importante. Por sua vez, custos de transporte menores melhoram a competitiv
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