O governo adiou a licitação do trem-bala Rio-São Paulo em quase cinco meses em parte desconfiado de que, sob o argumento de que os candidatos precisavam de mais tempo para formalizar propostas, estava uma tentativa de atrasar o projeto e arrancar mais facilidades para a execução da obra. Nos bastidores, a preocupação se confirma porque quase todos os consórcios possuem uma avalanche de críticas a pontos cruciais do projeto – como o custo de construção e projeção de receita. As pressões por mudanças nas regras da licitação devem continuar. Segundo alguns dos competidores, se nada for feito até a nova data escolhida, em abril de 2011 haverá de novo apenas um consórcio no páreo – o coreano.
Um dos concorrentes que pediu o adiamento diz que a estimativa de demanda apresentada pelo governo é um ponto de preocupação. Não pela previsão de crescimento da economia, mas porque o cálculo seria otimista com a transferência de passageiros de outros meios, principalmente o avião. “Sabemos que a construção do trem cria uma demanda própria, mas nada garante que chegará ao nível proposto pelo governo”, diz.
Outro interessado, apesar de não acreditar que haja mudanças no estudo de demanda, afirma que as garantias oferecidas pelo governo – um pacote de facilidades nas condições de financiamento – são insuficientes. Ele defende a criação de uma espécie de “banda reversa” na garantia de demanda: seria melhor o governo delegar ao consórcio cobrir todo o prejuízo até R$ 5 bilhões, e se responsabilizar pelo que ultrapassar isso. Outros concorrentes concordam que a garantia de R$ 5 bilhões é pequena.
POD NOS TRILHOS
- Investimentos, projetos e desafios da CCR na mobilidade urbana
- O projeto de renovação de 560 km de vias da MRS
- Da expansão da Malha Norte às obras na Malha Paulista: os projetos da Rumo no setor ferroviário
- TIC Trens: o sonho começa a virar realidade
- SP nos Trilhos: os projetos ferroviários na carteira do estado
Outra questão é a dos custos de construção. A principal preocupação de um dos concorrentes é a falta de cobertura para variações nesse custo, no caso de desabamento, obras imprevistas etc. Outros interessados dizem ainda que os estudos geológicos apresentado pelo governo são insuficientes para determinar o valor da obra. Ainda que as empresas estejam fazendo seus levantamentos paralelamente, é lugar comum dizer que o custo será superior ao previsto, algo recorrente até no grupo coreano.
Alguns concorrentes também tentam criticar a persistência do consórcio coreano, dizendo que a proposta só é viável devido a um substancial apoio governamental da Coreia do Sul, direta ou indiretamente, via presença dos mais importantes grupos empresariais do país – os chamados “chaebols”. Há braços de comunicações, metalurgia e construção dos quatro principais chaebols da Coreia – Hyundai, Samsung, LG e SK -, grupos que historicamente vivem em relação de simbiose com o governo.
O argumento contra a viabilidade econômica do projeto ganhou força com a desistência dos dois principais sócios brasileiros do consórcio coreano: a construtora Contern, do Grupo Bertin, e a Galvão Engenharia.
A tendência até o momento foi o governo dar cada vez mais garantias ao investimento no trem-bala. O edital trouxe mudanças em relação ao que era indicado antes pela ANTT que dão mais segurança ao investidor.
Uma delas foi nas regras que determinam qual o montante do custo das desapropriações que será pago pelo governo. No início, o governo considerava arcar com R$ 2,3 bilhões, ou, em caso de gastos adicionais, apenas se ficasse dentro do traçado referencial estabelecido pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
Para incentivar as empresas a buscar o traçado mais competitivo sem temer pagar pelos gastos adicionais da desapropriação, a regra mudou. Será calculada a diferença proporcional entre os R$ 2,3 bilhões estimados pelo governo e o valor estimado pelo concessionário. Assim, o governo arcará com esse percentual sobre o valor efetivamente gasto nas desapropriações, mesmo que o traçado fique fora do referencial.
Durante o período de consulta pública, o governo também percebeu que precisaria dar mais garantias na transferência de tecnologia e reduzir os custos do processo. Para isso, o edital limitou a abrangência da transferência, que fica restrita ao material rodante, ao sistema de eletrificação e de controle da rede de trens e ao projeto integrado de engenharia.
Além disso, a tecnologia transferida será a mais avançada que houver no momento da concessão, e não toda atualização que a detentora obtiver no decorrer dos 40 anos, como cogitado antes.
A última garantia – de subsidiar até R$ 5 bilhões caso a receita bruta do trem-bala nos primeiros dez anos seja inferior à apresentada na proposta do vencedor – foi dada recentemente com a publicação das condições de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Seja o primeiro a comentar