Ainda decifrando os muitos horizontes abertos pelo primeiro emprego, a estudante Cyntia Carolina de Souza, de 18 anos, só tem uma certeza imediata: quer consumir. Perguntada sobre o que vai mal em Salgueiro, cidade de 56 mil habitantes no sertão de Pernambuco, ela só se lembrou da torturante demora na conclusão das obras do primeiro shopping center local. Estou muito ansiosa, afirmou a estudante, que trabalha há quatro meses no controle de qualidade da fábrica de dormentes de Salgueiro, com salário de R$ 792 mensais.
Para desespero de Cyntia, o Salgueiro Shopping só deve ficar pronto em novembro de 2011. O local vai abrigar uma praça de alimentação e 50 lojas, entre as quais já estão garantidas marcas nacionalmente conhecidas, como O Boticário, Americanas e Sorvetes Nestlé. Também estou negociando com um banco internacional a instalação de uma agência, mas ainda não posso adiantar detalhes, afirmou o empresário Eugênio Muniz, que está colocando do próprio bolso 60% dos R$ 10 milhões investidos no shopping.
O empreendimento é mais uma aposta do empresário em Salgueiro, sua terra natal. Bastante conhecido na região, Muniz também é dono da varejista Tradição, que vende móveis e eletrodomésticos em 38 lojas espalhadas pelo sertão nordestino. Segundo ele, os negócios vão muito bem em todas as praças, mas é em Salgueiro que se colhe os melhores frutos. Meu faturamento dobrou aqui nos últimos dois anos, mesmo com a chegada de redes concorrentes, relatou.
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O dinamismo econômico pelo qual passa a região Nordeste, puxado pela alta vertiginosa da renda e do consumo, é singular em Salgueiro. Localizada em um ponto geograficamente estratégico do Nordeste, a cidade se transformou em um imenso canteiro de obras, com destaque para os projetos da ferrovia Transnordestina e de transposição do Rio São Francisco. Salgueiro é o lugar onde todo mundo ganha, resume o dentista Julio Cezar Cruz, que nos últimos dois anos ganhou mais de 30 concorrentes, porém viu seu consultório aumentar os lucros em 30%.
Emancipado em 1864, o município está exatamente no cruzamento entre as movimentadas rodovias BR-232 e BR-116 e fica a menos de 600 quilômetros de todas as capitais do Nordeste, com exceção de São Luís (MA). O potencial dessa localização para o setor logístico ganhou força com a definição do traçado da Transnordestina, que colocou Salgueiro como principal entroncamento da ferrovia. A cidade será passagem obrigatória para se chegar a qualquer um dos três extremos da ferrovia, que são os portos de Suape (PE) e Pecém (CE) e o município de Eliseu Martins (PI).
Segundo o prefeito de Salgueiro, Marcones Libório de Sá (PSB), cerca de R$ 70 milhões irão para os cofres municipais neste ano, um crescimento de 52% em relação a 2009. A arrecadação com o Imposto Sobre Serviços (ISS) deve aumentar impressionantes 275%, para R$ 7,5 milhões. Com a valorização dos imóveis, o IPTU vai dobrar. Quando assumimos, em janeiro de 2009, a receita própria representava 9% da arrecadação total. Este ano vai chegar próximo de 20%, calculou o prefeito.
O principal projeto instalado em Salgueiro é o canteiro central da Transnordestina, cujas obras estão hoje no pico de atividade. Somente a construtora Odebrecht, que toca o empreendimento na região, está empregando mais de 3 mil pessoas na cidade. Além da transposição do São Francisco, há ainda obras de uma fábrica de computadores, de uma adutora, de pavimentação de ruas, entre muitas outras. De acordo com o prefeito, cerca de 15 mil pessoas estão trabalhando em todos esses projetos.
Números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) apontam um crescimento de 102% na geração líquida de empregos em Salgueiro entre janeiro e outubro deste ano. Mais de 90% dos novos postos de trabalho com carteira assinada foram gerados no setor da construção civil, que sofre com a falta de mão de obra.
Um dos prejudicados por essa escassez é Julio Cesar Vasconcelos, de 26 anos, também natural da cidade. Após estudar Hotelaria no Recife, ele abandonou um emprego de recepcionista na capital pernambucana para ser empreendedor em sua terra natal. Há um ano e cinco meses, comanda um concorrido restaurante de beira de estrada. A primeira ampliação já está em andamento, mas a obra parou por falta de pedreiro. Já era pra ter concluído faz tempo, queixa-se.
Animado com as oportunidades na região, ele agora quer abrir um hotel em Salgueiro, outra carência local. Reclama, no entanto, da supervalorização das terras e dos imóveis. Há terrenos que valiam R$ 5 mil e hoje estão pedindo R$ 100 mil, conta o empresário, em um misto de perplexidade e frustração. O prefeito também está atônito: O dono do imóvel onde fica um posto de saúde nosso quer aumentar o aluguel de R$ 600 para R$ 2 mil de uma tacada só, conta.
Feliz com a situação está Fernando Parente, único corretor de imóveis de Salgueiro, hoje com pinta de celebridade. Cauteloso em revelar números de sua ascensão na pirâmide social, ele diz que seu faturamento dobrou no último ano e meio. Hoje Fernando administra uma significativa lista de espera por imóveis para locação e compra na cidade. O preço médio dos aluguéis triplicou. O dos imóveis comerciais também. Um ponto que era alugado por R$ 1 mil, foi recentemente alugado por R$ 6 mil, relata.
O boom imobiliário de Salgueiro vem da imensa procura das empresas com obras na cidade. Sem leitos de hotel suficientes, muitas buscam casas para acomodar seus funcionários. Diante do potencial de valorização dos imóveis, até mesmo os engenheiros que estão temporariamente morando na cidade já começaram a comprar terras nos arredores.
De acordo com o prefeito, o último levantamento feito em Salgueiro apontou para a existência de apenas 840 leitos de hotel na cidade, número deveras insuficiente para os padrões atuais, ainda mais em se tratando de acomodações mais confortáveis, voltadas aos profissionais de escalões superiores que visitam a cidade.
De olho neste nicho, a ex-professora Socorro Borba está investindo R$ 1 milhão na expansão do seu Salgueiro Plaza Hotel. O número de suítes passou de 32 para 58. Nenhuma área do comércio em Salgueiro tem do que reclamar, garante Socorro.
Assim como os demais empresários da cidade, Socorro não acredita na existência de uma bolha em Salgueiro. Uma eventual diminuição do movimento após a conclusão das principais obras, em dezembro de 2012, já está nos cálculos. Porém, todos acreditam que o desenvolvimento veio para ficar.
A principal aposta é o projeto, já em fase inicial, de construção de uma plataforma logística multimodal, que servirá para troca de cargas entre os caminhões e os trens da Transnordestina. O porto seco, como é chamado o empreendimento, ficará em uma área de 347 hectares e está aguardando licença ambiental para instalação do canteiro de obras.
Responsável pelo projeto, a Agência de Desenvolvimento de Pernambuco (AD Diper) quer criar ali um polo logístico e agroindustrial. Além da localização estratégica, o porto seco poderia atrair, por exemplo, indústrias interessadas em beneficiar os grãos que chegarão mais baratos pela ferrovia. De acordo com o presidente do órgão, Jenner Guimarães, o governo estadual está em negociações avançadas com alguns grupos que atuam no setor, porém preferiu não adiantar os nomes.
Outra prioridade é definir como será a gestão da plataforma, cujo projeto também prevê a construção de um aeroporto de cargas. O presidente da AD Diper informou que poderão ser adotados os formatos de concessão pura ou de parceria público-privada (PPP).