Indústria do trem renasce em Hortolândia

É provável que nada seja mais inadequado em Hortolândia que seu nome. Nesta cidade de raros prédios e avenidas longas, há pouco espaço para o cultivo. Mas sobra para a manufatura e prestação de serviços. É lá que indústrias de ponta como a IBM tem um de seus maiores centros de monitoramento e suporte remoto a clientes no mundo; a Dell monta seus servidores, laptops e desktops no país, e a EMS fabrica e desenvolve seus medicamentos líderes em vendas, como uma versão genérica do Viagra.


Agora, Hortolândia começa a se consolidar também como epicentro da incipiente retomada de uma área bem mais tradicional da indústria: a ferroviária. Trata-se de um movimento recente, mas com raízes profundas no passado.


Nos últimos quatro anos, a cidade atraiu fabricantes de trens como a canadense Bombardier e a espanhola CAF. A Bombardier é uma das três maiores do setor mundialmente, ao lado de Siemens e Alstom. E a CAF, apesar de ser um pouco menos menor, fatura cerca R$ 3,5 bilhões (€ 1,4 bilhão). Junto com a AmstedMaxion, principal fabricantes de vagões de carga do país, elas abocanharam a maior parte dos contratos de construção e reforma de trens lançados no Brasil desde então. Somados, os pedidos em produção e em carteira das três empresas superam os R$ 5 bilhões.


A lista inclui trens de passageiros novos e a reforma de antigos para a CPTM e o metrô paulistano, trens para o metrô de Recife, vagões para o transporte de minério de ferro, grãos, açúcar e contêineres.


De casa cheia, as empresas aceleraram contratações e o número de vagas disparou. De acordo com dados da prefeitura, há dois anos, a indústria ferroviária local empregava cerca de 700 pessoas. Neste ano, as estimativas são de que termine com mais de 4 mil trabalhadores.


São mais funcionários que os cerca de 3,6 mil que a Cobrasma chegou a empregar na cidade no auge, no início da década de 1980, quando era uma das maiores empresas do setor ferroviário no Brasil. O negócio mingou na década seguinte. Mas deixou de pé 120 mil metros de prédios administrativos e galpões indústriais com paredes manchadas pelo tempo, em um terreno de quase um milhão de metros quadrados. Hoje, a maior parte das empresas ligadas ao ferroviário em Hortolândia está lá.


Retomada


Uma das primeiras a chegar foi a AmstedMaxion. Por volta de 2004, com a forte expansão de investimentos em transporte ferroviário, a procura por vagões de carga explodiu, conta Ricardo Chuahy, presidente da companhia no Brasil. A alta na demanda levou a Amsted a procurar um local onde pudesse aumentar rapidamente a produção, então centrada em Cruzeiro (SP). “Ninguém tinha capacidade para atender às encomendas”, diz.


A solução foi alugar alguns dos galpões da antiga Cobrasma, herdados por funcionários que receberam a área como garantia do pagamento de dívidas trabalhistas. A Amsted se instalou, iniciou a produção e acabou comprando todo o complexo depois, em 2007. Mas seguiu com a prática de ceder espaço a empresas que não fossem concorrentes.


Em 2008, veio a CAF e, em 2009, a Bombardier. “Chegamos a estudar montar fábrica em Recife”, diz André Guyvarch, presidente da Bombardier no Brasil. Desistiram porque sairia mais caro erguer os galpões do zero, treinar mão de obra e ficar distante dos fornecedores, conta.


É uma lógica semelhante a que levou outras empresas a Hortolândia. A lista inclui, além das já citadas, gigantes como a MGE, da Progress Rail, braço da Caterpillar para o setor ferroviário, e a Hewitt Equipamentos, que faz a estrutura de base dos vagões ferroviários, chamada truque.


“Hortolândia é hoje o grande polo de produção dos segmentos de carga e passageiros”, diz Rodrigo Vilaça, diretor-executivo da Agência Nacional dos Transportes Ferroviários (ANTF). E é também a cidade que reúne o maior número de empresas com tecnologia para eventualmente produzir o trem-bala brasileiro. Estão lá CAF e Bombardier. As outras duas são a Alstom, que tem fábrica em São Paulo, e a Siemens, em Cabreúva (SP).


Locomotivas são um dos poucos tipos de trem que a cidade não fabrica. “Tentamos trazer a nova fábrica da MGE-Progress Rail para cá. Mas eles foram para Sete Lagoas (MG)”, afirma Geraldo Estevo Pinto, diretor da Secretaria de Indústria, Comércio e Serviços de Hortolândia. Mesmo assim, na unidade que tem em Hortolândia, a MGE faz reformas de motores, de locomotivas e de carros de passageiros.


Investimentos


Mais recentemente, com o crescimento dos pedidos, algumas empresas decidiram aproveitar incentivos fiscais da prefeitura e se mudar das antigas instalações da Cobrasma. A CAF investiu R$ 250 milhões em uma fábrica em outra parte de Hortolândia, com capacidade para produzir até 500 vagões de passageiros por ano, que ficou pronta em 2010.


A Bombardier optou por continuar como inquilina da AmstedMaxion. Mas construiu um novo galpão, onde começa a produzir em janeiro o primeiro monotrilho do país – monotrilhos são trens que correm sobre vigas de concreto elevadas, normalmente a mais de 15 metros de altura.


Horizonte promissor


São apostas baseadas em uma realidade latente no país: a dificuldade de locomoção nas estradas e avenidas de grandes cidades. Como é evidente, o crescimento acelerado da venda de automóveis não foi acompanhado de investimentos compatíveis em infraestrutura nas últimas décadas.


Para tentar amenizar o problema, o poder público, em todas as instâncias, promete despejar rios de dinheiro no setor. O governo paulista sozinho tem planos de investir R$ 27 bilhões em infraestrutura ferroviária. Em meados de outubro, a presidente Dilma Rousseff falou no programa “Café com a presidenta” em outros R$ 30 bilhões para corredores de ônibus, metrôs e VLTs (os bondes modernos). O montante inclui projetos em Curitiba, Porto Alegre e Belo Horizonte. Não estão na conta o famigerado trem-bala e os R$ 43,9 bilhões previstos no PAC 2 para expansão da malha ferroviária.


Resta saber se o discurso será mantido ou, depois de investir, as empresas morrerão asfixiadas pela falta de investimentos, como no passado.

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Fonte: iG

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