Entrevista: Bernardo Figueiredo

É a 40 quilômetros da Esplanada dos Ministérios, numa chácara com acesso só por estrada de terra e onde o celular não pega, que o economista Bernardo Figueiredo desfruta de sua quarentena como ex-diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Poucas vezes na vida ele esteve afastado do poder. Com intervalos na iniciativa privada, ele passou a maior parte da carreira no setor público, do Geipot à Siderbrás, da Rede Ferroviária Federal (RFFSA) à Valec, do Ministério do Planejamento à Casa Civil – onde tornou-se xodó da presidente Dilma Rousseff e começou a construir a imagem de homem do trem-bala.


Em sua primeira entrevista após ter sido protagonista da rebelião deflagrada pela base aliada, quando o Senado rejeitou a recondução de Figueiredo ao comando da ANTT, procura dar uma resposta às críticas recebidas e ataca o senador Roberto Requião (PMDB-PR), responsável pela articulação que resultou na derrota para o governo. “Ele inventou uma situação e criou um personagem, com o qual eu não me identifico”, afirma Figueiredo, que se diz à disposição do projeto de Dilma caso ela volte a precisar de seus conhecimentos.


Valor: A que o senhor atribui o veto do Senado à sua recondução?


Bernardo Figueiredo: Uma coisa é a base aliada dizer que está insatisfeita com o governo. Isso já ocorreu diversas vezes, mas criaram um ambiente para revestir esse processo de um suposto comportamento inadequado no comando da agência. O meu currículo me honra e me dignifica. Eu contrariei interesses: tive um embate com as empreiteiras por causa do trem de alta velocidade, entrei em colisão com as concessionárias de ferrovias por causa de mudanças no marco regulatório e estamos às vésperas da licitação das linhas interestaduais de ônibus. Foram muitas frentes abertas ao mesmo tempo. Uma vez o doutor Jorge Gerdau me disse que, se alguém estiver satisfeito com a agência reguladora, o trabalho não está bem feito.


Valor: Foi uma forma de machucar a presidente, negando-lhe uma indicação pessoal?


Figueiredo: Eu nunca tive uma relação pessoal com a presidenta. Só a conheci quando ela já era ministra da Casa Civil e precisava estruturar uma equipe para o acompanhamento do plano de revitalização do setor ferroviário. Mas a presidenta acha que eu sou um técnico competente, e talvez sinta mais pelo fato de eu ser uma pessoa em quem ela confia.


Valor: Que peso o senhor dá ao movimento do senador Roberto Requião (PMDB-PR) contra a sua recondução?


Figueiredo: A minha impressão é que o senador criou um personagem e que ele fala sobre esse personagem, com o qual eu não me identifico. Não sou isso.


Valor: Mas por que, na sua avaliação, ele levou adiante uma campanha contra o seu nome?


Figueiredo: Eu tive duas reuniões com o senador Requião. Em uma delas, fui com a presidenta Dilma, quando ela era ministra. Entrei mudo e saí calado. A segunda vez eu fui com o ministro Paulo Bernardo. Tínhamos colocado no PAC uma variante para a Ferroeste, com duas alternativas. Uma era na concessão da ALL e outra era fora. Queríamos saber qual era o ponto de vista do [então] governador do Paraná. Ele começou a falar de um projeto de uma ferrovia nova, que era outra alternativa e exigia mudanças no contrato de concessão da ALL, mas desconhecia completamente a necessidade de isso ter audiências públicas e de passar pelo TCU. Inventou uma história e disse que esse investimento custaria R$ 150 milhões, mas o próprio secretário de infraestrutura do Paraná falava em R$ 500 milhões. Eu não aceitei os argumentos e ele se irritou conosco, nos acusou de querer superfaturar o projeto.


Valor: Foi só isso?


Figueiredo: Ele criou uma história sem nenhuma aderência à realidade e lançou-a em público. Esse episódio gerou uma ação judicial do ministro Paulo Bernardo contra o senador Requião, na qual ele já foi condenado por infâmia e terá que pagar uma indenização. Ele é um caluniador [com processo] transitado em julgado. Tenho a impressão de que ele ficou com ódio do Paulo Bernardo e passou a descarregar toda a raiva em cima de mim. Para isso, numa prática costumeira dele, inventou uma situação e criou um personagem. Ninguém o leva a sério, exceto quando é conveniente pelas circunstâncias. Eu fui aprovado, na Comissão de Infraestrutura do Senado, por 16 votos e uma abstenção.


Valor: E o relatório do TCU?


Figueiredo: Ele veio depois, não tem nenhum fato novo contra mim. Eu não tenho medo de auditoria do TCU. A ANTT sempre foi absolutamente transparente. Todos os fatos apontados pelo Ministério Público são anteriores à minha gestão. Aliás, a primeira pessoa que veio a público alertar sobre os trechos abandonados pelas concessionárias de ferrovias fui eu.


Valor: As críticas do senador Requião não foram técnicas?


Figueiredo: Se o Requião fosse preocupado com o setor ferroviário, ele teria arrumado a Ferroeste [concessionária reestatizada pelo governo do Paraná]. A empresa não cumpre as suas metas de produção. Isso poderia justificar até mesmo um processo de caducidade da concessão. A ANTT fiscaliza isso, mas multar não resolve, pura e simplesmente. Precisamos de soluções estruturais, como metas por trechos e estabelecer o direito de passagem, que foi justamente o que começamos a fazer na agência.


Valor: No Senado, dizia-se que o senhor transitou entre o público e o privado, em um possível conflito de interesses. O que diz a respeito?


Figueiredo: Eu comecei a trabalhar no Geipot, nos anos 70, em um projeto para resgatar o decadente sistema ferroviário brasileiro. Depois fui para a Siderbrás, onde só 10% do frete era por trens, e o trabalho que fizemos lá aumentou essa proporção para quase 60%. Saí da empresa porque o governo Collor acabou com ela. Aí fui para a iniciativa privada, mas me chamaram na RFFSA [a antiga Rede Ferroviária Federal] para atuar como chefe de gabinete e diretor da malha no Nordeste. Trabalhei lá de maio a novembro de 1994.


Valor: Foi nessa ocasião, segundo se disse, que o senhor teria trabalhado na privatização da RFFSA e logo depois ido a uma das principais concessionárias privadas.


Figueiredo: Isso é errado. Naquela época, não havia ainda uma decisão de privatizar a RFFSA. Ela tinha um déficit de R$ 200 milhões por ano e vivia um processo de canibalização. Vendia o almoço para comprar o jantar e se afundava cada vez mais. Sou mais um crítico do que um formulador do modelo de privatização. Saí da RFFSA porque estávamos em período de campanha política e, quando o motorista da presidência passou na minha casa para entregar um documento, eu estava saindo para uma carreata de apoio ao Lula. Veio o governo Fernando Henrique Cardoso e eu fui para o mercado.


Valor: Para a ALL?


Figueiredo: Nunca fui da diretoria da ALL. Eu fui membro suplente do conselho de administração da ALL porque era executivo de uma das empresas sócias, a Interférrea, até 1999.


Valor: E como o senhor chegou ao governo Lula?


Figueiredo: O presidente Lula tinha um projeto ferroviário em mente e um amigo meu de longa data, o ex-deputado Sigmaringa Seixas, me indicou. Assumi a diretoria financeira da Valec, mas com a incumbência de articular um plano de resgate das ferrovias, com três eixos: recuperação da malha existente, ampliação da rede e melhoria do ambiente regulatório. Pouco depois disso, fui alijado da Valec.


Valor: Por quê?


Figueiredo: Eu não concordava com a forma como a empresa estava andando. Foi quando o senador Alfredo Nascimento assumiu o Ministério dos Transportes. Não havia um ambiente legal de trabalho, o PR pediu a minha cabeça. A Valec era uma empresa muito presidencialista. Eu entrei em conflito com a diretoria e não podia nem viajar. Estava ocupando um espaço indesejado. Fiquei lá um ano e fui para o Mini

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