*Alexandre Garcia
Tenho insistido em que o maior atestado de burrice estratégica de alguns governos federais foi o abandono da ferrovia num país de dimensões continentais. Construir rodovias e incrementar uma indústria automobilística nacional não precisaria ter significado desprezo à ferrovia. Hoje pagamos por isso. Na falta de uma navegação de cabotagem, concentramos o transporte no caminhão que, a rigor, deveria ser para distâncias médias e curtas. E o transporte de pessoas faz lotar rodoviárias e aeroportos, deixando apenas a saudade, para nós, da minha geração, do trem confortável e seguro.
Agora, a pesquisa da CNT sobre o transporte ferroviário resgata alguma esperança, embora o Estado não esteja fazendo a sua parte. A iniciativa privada, no período entre 1997 e 2010, investiu R$ 24 bilhões e a União apenas R$ 1,3 bilhão. Por causa disso, subsistem 355 invasões de faixas de domínio, remanescentes dos tempos da RFFSA. Há 1.856 passagens de nível urbanas! Dessas, 279 são críticas. As composições quase param ao cruzar esses encontros com outros veículos ou ao atravessar áreas habitadas até o limite da largura dos vagões. Esse é o retrato de uma falta de atenção herdada da cultura do abandono do trem.
POD NOS TRILHOS
- Investimentos, projetos e desafios da CCR na mobilidade urbana
- O projeto de renovação de 560 km de vias da MRS
- Da expansão da Malha Norte às obras na Malha Paulista: os projetos da Rumo no setor ferroviário
- TIC Trens: o sonho começa a virar realidade
- SP nos Trilhos: os projetos ferroviários na carteira do estado
Mas há esperança. De 1997 até o ano passado dobrou a tonelagem da carga transportada – em geral granéis. Os investimentos das concessionárias em 2011 devem ter beirado os R$ 3 bilhões. Mas ainda perdemos feio para Argentina, Chile e México. Muito ainda precisa ser feito. Muito trilho precisa ganhar lugar no solo brasileiro; ferrovias precisam ser duplicadas, renovadas, gargalos eliminados e – obviamente – o país poderia acordar para o transporte de passageiros interurbano e interestadual.
Quando criança, no Rio Grande do Sul, eu acordava de madrugada com o apito do trem que chegava de Porto Alegre. Uma das distrações era ir à estação para ver a chegada do “trem paulista” e acompanhar a elegância dos passageiros que chegavam de São Paulo. Histórias assim descarrilaram, deixando a desesperança na inteligência de governos. As rodovias estão lotadas, as cidades congestionadas e sem estacionamento e as estatísticas mostram uma matança sem precedentes no asfalto. O trem continua a ser a melhor solução para o transporte de cargas e de passageiros. Que a esperança volte com os trilhos.
*Alexandre Garcia é jornalista, editor chefe e apresentador do telejornal DFTV, noticiário local da TV Globo Brasília.
Seja o primeiro a comentar