Artigo: Hora de investir

*Rodrigo Vilaça


A economia brasileira tende a desacelerar nos próximos anos, afirmam alguns analistas, enquanto o governo busca estimular o investimento nos setores produtivos, de olho no crescimento sustentado do PIB. O Banco Central trabalha para reduzir a taxa básica de juros e o Ministério do Planejamento deu um passo importante ao anunciar que renovará concessões nas áreas de infraestrutura em troca de novos investimentos. Nesse contexto, é preciso avaliar com visão de longo prazo as concessões das ferrovias de carga. É significativo que a produção desse setor tenha crescido 111% de 1997 a 2011, mais que o dobro do crescimento do PIB, 54%, no mesmo período. No entanto, as condições para atender a esse crescimento parecem estar piorando em vez de melhorar, embora o setor esteja revitalizado e a demanda continue crescendo. Nesse ponto há dois fatores que deveriam estar interligados e não estão: de um lado, a necessidade de vultosos investimentos para expandir a malha e solucionar gargalos; de outro, o prazo das concessões terminando dentro de 15 anos.


Hoje o Brasil possui pouco mais de 28 mil quilômetros de trilhos para o transporte de cargas. Precisaríamos fazer esse número subir para 52 mil quilômetros, de modo que os produtos brasileiros possam escoar em maior volume e com mais competitividade.


Tanto na operação das ferrovias existentes quanto na construção de novas malhas, o governo reconhece o importante papel da iniciativa privada. Cabe à União criar as condições atrativas para a entrada de capital privado, enquanto as concessionárias devem seguir as regras do mercado, maximizando a eficiência e investindo em melhores condições operacionais nas malhas que lhe são confiadas, como vêm fazendo.


Há cerca de um ano, quando alguns aspectos do marco regulatório foram reformulados pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), os debates em torno das concessões ferroviárias de carga foram marcados por uma série de críticas ao modelo vigente desde a desestatização. Uma acusação comum era que as concessionárias teriam recebido as malhas ferroviárias “praticamente de graça” e sem compromisso de investir, quando, na verdade, seherdou uma malha em grande parte sucateada e com muitas dificuldades operacionais. Se as concessionárias conseguiram resultados positivos é porque investiram mais de R$ 30 bilhões na revitalização do setor, além de R$ 5,5 bilhões já recolhidos aos cofres públicos como pagamento das parcelas de concessão e arrendamento da malha e quase US$ 10 bilhões em impostos e Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre as operações ferroviárias. Nos mesmos 15 anos, o governo destinou pouco mais de R$ 1,5 bilhão a obras no setor e, a partir do PAC, aumentou consideravelmente os investimentos públicos em ferrovias.


Noções equivocadas também contaminaram as discussões do direito de acesso às malhas por terceiros. O modelo “open access” (acesso livre a outras operadoras ou a clientes), caso fosse aplicado às ferrovias de alta densidade de tráfego, “iria causar mais problemas do que solução”, como afirmou o próprio diretor-presidente da Valec, José Eduardo Sabóia Castello Branco. Ferrovias não são como estradas de rodagem com várias pistas, por onde trafegam inúmeros tipos de veículos de passeio e de carga mediante o simples pagamento de um pedágio. O acesso livre é impraticável nas ferrovias de grande densidade de tráfego, pois comprometeria drasticamente a produtividade, a segurança e os custos do transporte. Além disso, se a malha for de todos, sobre quem recairá o ônus de investir? Ao examinarmos os modelos adotados nos diversos países, verificamos que onde há open access e não há integração entre o responsável pela ferrovia e sua operação – como ocorre na Espanha, Alemanha e Reino Unido – a responsabilidade pelos investimentos é 100% estatal.


Principalmente em tempos de redução de déficit público, a União não tem condições de arcar com todos os custos de implantação da infraestrutura de transportes no Brasil. Nesse sentido, o governo decidiu que os projetos ainda não iniciados pela Valec serão oferecidos ao setor privado por meio de novas concessões, como tem sido noticiado. Não basta, porém, construir novas malhas. A malha existente precisa de uma série de obras, como é o caso do Ferroanel de São Paulo, para eliminar gargalos que ainda limitam a velocidade média dos trens a 20 km/h, ou mesmo a 5 km/h em muitos trechos. A grande demanda de hoje não era imaginada há 15 anos, quando foram firmadas as atuais concessões. E o prazo remanescente desses contratos não é compatível com os grandes investimentos que hoje se fazem necessários, mas que exigem longo período de maturação. Daí a importância de renová-los o quanto antes. Somente assim, num esforço conjunto, governo e empresas poderão viabilizar uma infraestrutura de transportes adequada às dimensões e às perspectivas do nosso país.


Rodrigo Vilaça, presidente executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF)

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