Enfim, um plano

Para além dos problemas de sempre – gestão pública ineficiente, corrupção, falta de investimentos e de profissionais qualificados -, muito da carência brasileira em infraestrutura se deve a outra de nossas debilidades ancestrais: a falta de planejamento. O Brasil não sabe do que precisa. O governo acaba de apresentar uma nova leva de investimentos na área – só em rodovias e ferrovias são 133 bilhões de reais. E, nesse bolo, apresentou também a Empresa de Planejamento e Logística (EPL). A nova estatal foi criada para monitorar o andamento dos projetos recém-lançados. Mas não só para isso. Ela terá a responsabilidade de identificar quais são, afinal, nossas carências. É com planejamento que poderemos ter a real noção dos passos a serem dados no futuro – e é também com planejamento que evitaremos o mal das obras de ocasião. “O nosso padrão é uma empreiteira sugerir uma obra a um parlamentar, que apresenta a emenda no Congresso”, diz Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, presidente da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro. “A obra sai, o parlamentar ganha pontos com os eleitores e a empreiteira leva mais um contrato, mas sem que ninguém tenha pensado se a tal obra de fato era necessária”. A ideia, com a EPL, seria quebrar esse círculo. O comando na empresa foi entregue a Bernardo Figueiredo, ex-diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres. Com 40 anos de experiência na área de transportes, Figueiredo é um conselheiro de confiança da presidente Dilma Rousseff para o campo de rodovias, ferrovias e portos. “Logística não é só obra”, diz ele. “Queremos antever os problemas.” Na entrevista exclusiva a seguir, Figueiredo explicita qual será o papel da EPL.


Como a EPL vai atuar?


Somos uma consultoria. Não vamos executar as obras, mas cuidar para que o projeto seja benfeito e garantir que os cronogramas anunciados sejam cumpridos. A  empresa vai ter um olhar de fora para identificar pontos falhos na execução.


Falta de licença ambiental, por exemplo?


Vamos fazer as articulações necessárias para que isso ande.


Quando o governo percebeu que precisava desse agente externo?


Nos primeiros momentos do Programa de Aceleração do Crescimento. Depois, no ano passado, criou-se uma força-tarefa com vários ministérios para discutir a integração logística. E aí percebeu-se de vez que as coisas precisam de uma sofisticação a mais.


Como assim?


Vamos imaginar o caso de uma duplicação de estrada. Se ela for duplicada, o caminhão ganha velocidade. Mas a obra não servirá para nada se o problema for falta de silo no porto. O caminhão vai chegar ao porto com mais rapidez, mas vai ficar cinco dias esperando a vez de descarregar. Logística não é só obra. Em logística, quando discutimos intermodalidade, por exemplo, a conversa não pode ser apenas sobre a construção de uma rodovia, de uma ferrovia e de um terminal entre elas. Precisamos melhorar o nível das informações disponíveis.


Mas esse trabalho não deveria ter sido feito antes da montagem de um programa tão grande?


As informações atuais são suficientes para o programa. As obras do pacote são mais ou menos óbvias. Se olharmos o mapa ferroviário do Brasil, vemos o vazio em Mato Grosso, o maior produtor de soja. Não é preciso um estudo sofisticado para ver que uma ferrovia lá é importante para o país.


Não precisamos de novos estudos?


Sim. Para o Plano Nacional de Logística de Transportes identificou origem e destino de cargas rodoviárias, por exemplo. Mas foi um trabalho parcial, que monitorou trechos das rodovias no país inteiro ao longo de um ano, coisa que não se faz desde os anos 70. É assim que vamos antever – e combater – os problemas do futuro.


Existe mão de obra no Brasil para um programa mais amplo de investimentos?


Eu acho que não. Teremos que fazer um esforço para formar quadros. Talvez tenhamos de recorrer a fôlego de fora. Países como a Espanha têm bons profissionais no setor ferroviário, mas que estão ociosos por causa da crise. A China também pode ser um parceiro para a formação de nossa mão de obra.


E para a EPL, de onde virão as pessoas? Como será a estrutura?


Nossa estrutura será pequena, com 150 pessoas, no máximo. Seremos uma estatal moderna, e poderemos ser também um formador de mão de obra. Vamos abrir um concurso público para a formação do quadro e estamos identificando talentos na máquina pública para trabalhar conosco. Mas vou trazer gente do mercado também. É importante fazer um choque cultural.


O senhor já trabalhou na iniciativa privada, mas diz que hoje não gostaria de voltar. Por quê?


 No serviço público, trabalho com um universo de coisas muito mais amplo. Na EPL, estamos discutindo portos, rodovias, ferrovias e a integração entre essas opções. Essa visão holística seria impossível no setor privado, onde o trabalho ganha foco, mas perde amplitude. Aqui, posso fazer o que gosto: o planejamento macroeconômico.

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