Uma parcela importante das ferrovias que o governo pretende licitar à iniciativa privada nos próximos meses enfrentará dificuldades em encontrar cargas para justificar seus investimentos e poderá gerar prejuízos ao Tesouro, alerta um grupo de pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em nota técnica recém-concluída.
O risco maior é em trechos que têm a concorrência direta de outros modais de transporte, e são rotas de bens predominantemente industrializados, fugindo das típicas cargas ferroviárias, com alto volume e baixo valor agregado. Carlos Campos Neto, pesquisador do Ipea e um dos três co-autores da nota técnica, cita três exemplos: as futuras linhas Rio-Vitória, Belo Horizonte-Salvador e São Paulo-Rio Grande.
Grande parte do trecho Belo Horizonte-Salvador já enfrenta a competição das rodovias BR-116 – em processo de concessão em Minas Gerais e já concedida na Bahia – e BR-381, além da hidrovia do rio São Francisco. Nos trechos Rio-Vitória e São Paulo-Rio Grande, há concorrência de estradas privatizadas na maior parte de suas extensões e da navegação de cabotagem, entre portos marítimos. Por tudo isso, correm o risco de não ter volume superior a 300 mil toneladas por mês, considerado o mínimo para permitir retorno do investimento.
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Pelas novas regras, as ferrovias serão construídas ou modernizadas por uma concessionária privada – que ficará responsável pela operação – e a estatal Valec contratará toda a capacidade de carga, eliminando o risco de demanda no negócio. Depois, terá que vender no mercado o direito de passar pela ferrovia, podendo obter lucro ou prejuízo com isso.
“Provavelmente, durante um período longo, haverá necessidade de recursos do Tesouro para bancar o prejuízo da Valec nesses trechos”, diz Campos, que assina o estudo com os pesquisadores Fabiano Pompermayer e Rodrigo Abdala Sousa, todos do Ipea.
A nota técnica aborda outros riscos, como o de que uma mesma empresa compre mais direito de transporte de cargas da Valec do que realmente precisa, a fim de “guardar espaço” nas ferrovias contra concorrentes. “O plano certamente tem a vantagem de oferecer uma malha integrada e suprir a deficiência logística. Mas precisamos discutir questões que, caso não sejam resolvidas, criam problemas por 30 anos”, diz Campos. Esse é o período dos contratos de concessão que serão assinados pelo governo.
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