Uma antiga demanda a respeito da utilização de transportes alternativos que favoreçam a agilidade dos fretes em operações de comércio exterior culminou, em 2012, com o anúncio de um plano ambicioso do governo federal. O objetivo é investir R$ 91 bilhões na construção de 10 mil quilômetros de ferrovias até 2015. Do montante, R$ 56 bilhões estão previstos para os próximos cinco anos como forma de incentivar o modal. Mas, enquanto a parcela gaúcha se resume ao trecho da Norte-Sul – que ligará o porto do Rio Grande a São Paulo -, um grupo de empresas com atuação no Rio Grande do Sul tenta desenvolver uma rota férrea para as importações, antes uma exclusividade dos fretes rodoviários no Estado.
A iniciativa nasceu como forma de diversificar as chamadas Declarações de Trânsito Aduaneiro (DTAs). O modelo é utilizado com caminhões, desde 2002, em razão da necessidade de transferência de cargas de importação para os portos secos, localizados em Novo Hamburgo, Canoas e Caxias do Sul, para evitar cobranças mais altas de armazenagem nas zonas portuárias. Isso porque, quanto maior o tempo necessário para encerrar o processo de nacionalização dos produtos, maior também será a vantagem de utilizar uma das chamadas Estações Aduaneiras do Interior (Eadis) para aguardar a liberação das mercadorias.
Em Rio Grande, por exemplo, o valor transcorre por um período diário de permanência, taxando em 0,04% sobre o total da mercadoria. Por outro lado, nas áreas alternativas, os contratos são de até 10 dias com preço fixado entre 0,20, 0,27% e 0,30 sobre o montante da carga. Assim, no mesmo período, o custo total será 0,40% no Terminal de Contêiner de Rio Grande – o Tecon. Ou seja, quase o dobro do desembolso nas zonas secundárias, onde os prazos e combinações contratuais também costumam ser flexíveis nas negociações.
Por isso, na tentativa de reduzir os custos do deslocamento, a Latitude Logística, ingressou com um pedido de operação para a nova modalidade. Em 17 de outubro, as rotas foram aceitas pela Superintendência Regional da Receita Federal (SRF), em Rio Grande, e a empresa foi autorizada a operar um canal, via modal ferroviário (85% do percurso), até o terminal da Brado Logística, em Esteio, e rodoviário (15% do percurso), finalizando o Trânsito Aduaneiro nos Eadis de Canoas, Novo Hamburgo e Caxias do Sul.
Trem transporta até 100 vagões – Os 10 trânsitos aduaneiros já realizados com envolvimento da Latitude Logística, da Ásia Shipping e Brado Logística operaram com contêineres da Tramontina, Madesa e Refriget, entre outras. Com a rota, explica o diretor da Latitude Logística, Enio Oliveira, as empresas importadoras do Estado, ganharam uma opção de serviço baseada na sustentabilidade, com menos emissões de gases e que possibilita o transporte simultâneo de maiores volumes.
Segundo ele, nas primeiras experiências a economia, na comparação com os fretes rodoviários (com preço fixado em cerca de e R$ 2,5 mil por contêiner), foi entre 15% e 20% dos custos totais do frete. “É uma redução gigantesca para a logística. Com dez contêineres por mês, estamos falando em uma economia em torno de R$ 5 mil, ou R$ 60 mil ao ano. No caso das importações, as cargas possuem um valor maior, entre US$ 50 mil e US$ 100 mil. Então isso impacta, e muito, no valor dos fretes, que de outra maneira ficaria difícil reduzir”, afirma.
No entanto, a principal vantagem, na opinião de Oliveira, é a abrangência de “ponta a ponta” em toda a cadeia e a possibilidade de transportar de 80 a 100 vagões em apenas um trem.
Já o diretor da CTIL Logística e vice-presidente de Logística do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no Estado do Rio Grande do Sul (Setcergs), Frank Woodhead, comenta que as DTAs são um hábito administrativo bastante utilizado pelas empresas. O problema, de acordo com ele, é de ordem burocrática, pois existem exigências sobre a definição antecipada das placas dos veículos que farão o trânsito.
Neste contexto, na avaliação de Woodhead, sem o auxílio da fiscalização o modal ferroviário para as DTAs correria o risco de fracassar. “Um dos grandes problemas nos fretes é ter de deixar os caminhões parados esperando pelas cargas, pois podem incidir cobranças de diárias adicionais. Acredito que se uma empresa está credenciada a fazer caberia a ela comprovar o bom movimento dessa carga, mas a Receita Federal entende que é preciso colocar as placas ou o número do vagão de antemão. Na rodovia, a não ser que se tenha um acidente de percurso muito sério, o prazo de 48 horas é cumprido sem muitos transtornos. Além disso, não se pode ficar com essa mercadoria em trânsito por muito tempo. No caso da ferrovia, existe esta dificuldade eminente”, analisa, ao defender a intensificação da rota como alternativa de trânsito aduaneiro.
Cobrança extra anula os ganhos – Apesar das vantagens, alguns aspectos ainda podem emperrar o desenvolvimento da nova modalidade de trânsito aduaneiro. Uma das razões é a distância ampliada para 870 quilômetros (passando por Santa Maria e Cacequi) da rota entre o porto de Rio Grande e o terminal de transbordo em Esteio. Por rodovia, as DTAs são concluídas com uma viagem de apenas 300 quilômetros.
Os operadores logísticos concordam que o principal empecilho tem sido a exigência extra do Tecon, que passou a cobrar mais R$ 400,00 pela movimentação dos contêineres no pátio do porto. A alegação é de maior esforço e mobilização de máquinas para levar as cargas aos vagões. O valor elimina a economia com a ferrovia.
O fato, segundo o gestor da filial Porto Alegre da Asia Shipping, empresa que lidera o ranking de importações em Rio Grande, Eleandro Dittrich, impede a difusão da ideia das DTAs ferroviárias entre os agentes de mercado. “É uma movimentação extra, pois é diferente de carregar um caminhão que vai até o pátio. Não há tanta circulação de contêineres pelas máquinas e empilhadeiras. No entanto, para os trens é o próprio Tecon que tem de levar a carga ao pátio, onde é feita a auditoria da Receita Federal e depois retirá-lo até o vagão. O problema é que isso tem implicado em um custo que significa prejuízo na comparação com uma operação de caminhão e acaba inviabilizando a utilização do modal.”
Na avaliação de Dittrich, enquanto a taxa vigorar, os importadores não conseguirão se adequar para a operacionalização das DTAs via ferrovia. “Com pouco volume, já não faz tanta diferença. Agora na quantidade regular mensal é uma economia expressiva, mas essa avaliação tem de ser feita caso a caso. Sem o custo-extra, há uma grande probabilidade de se fomentar este modal no Estado”, revela.
Para o gerente de compras da Madesa, Bernardo Angst, o tempo de deslocamento não constitui um grande obstáculo nas importações, que costumam ser planejadas com antecedência. Entretanto, a empresa que foi uma das primeiras a apostar na alternativa com três trânsitos já realizados, só voltará a utilizar o modelo com a suspensão da cobrança. “Obtivemos economias superiores a 20% com o modal, mas as taxas cobradas atualmente anulam essa perspectiva”. Por isso, duas reuniões já foram realizadas na tentativa de um acordo. O resultado foi o compromisso assumido pela empresa de anular o procedimento de cobrança para equilibrar os custos.
Receita incentiva o novo modal – Outro fator que tem preocupado as importadoras que optaram por testar o modal ferroviário é o tempo de duração dos trânsitos aduaneiros. Enquanto os caminhões possuem prazo estipulado pela Receita Federal em 48 horas, os vagões podem levar até 130 horas – ambos com a possibilidade de serem penalizados com pontuações e multas em caso de atrasos. As três primeiras DTAS realizadas por ferrovia chegaram a ser limitadas em 80 horas. Entretanto, as penalizações foram retiradas e o prazo ampliado para 130 horas. Atualmente, o tempo entre Rio Grande e a Região Metropolitana varia de 4 a 6 dias, um trajeto ainda considerado muito
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