Quem passou por Santa Teresa recentemente já notou a presença de homens uniformizados fazendo medições de ângulos e distâncias nas principais ruas do bairro. É que nas próximas semanas começa a substituição de toda malha de trilhos e rede aérea para a passagem dos 14 novos bondes de Santa Teresa — a previsão é que entrem em operação até o fim do primeiro semestre de 2014. As obras têm início quase dois anos após o acidente com o bondinho, que resultou na morte de seis pessoas, deixou 50 feridos e paralisou o principal meio de transporte da região. Apesar de discordarem do novo modelo do bonde, moradores esperam que com as novas intervenções sejam solucionados problemas considerados básicos como o alargamento de calçadas, a racionalização de postes e a criação de estacionamentos para carros.
Basta caminhar pelas ruas de Santa Teresa, um dos endereços mais charmosos do Rio, para entender o motivo de tanta reclamação. As calçadas são tão estreitas que em alguns pontos, como no Largo dos Guimarães, chegam a medir 40cm de largura. Em alguns pontos, o espaço que já é estreito para o pedestre ainda é obstruído por dezenas de postes — pelo projeto do novo bonde serão construídos mais 39. Num trecho de apenas 50 metros é possível ver dez deles, de diferentes formas e tamanhos, usados para iluminação das ruas, sustentação da rede aérea dos bondes e outros serviços.
— Dizemos que Santa Teresa é a capital mundial de postes, temos um excesso deles. Também são horrorosos, não obedecem a nenhum estilo, não se adequam ao conjunto do casario e destoam do nosso patrimônio cultural. Aqui cada concessionária coloca o seu e ficou essa coisa anárquica — diz Álvaro Braga, secretário da Associação dos Moradores de Santa Teresa (Amast).
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Se não há espaço para pedestres nas calçadas, os pontos de ônibus, agora única opção de transporte público do bairro, acabam muitas vezes sendo improvisados na rua. A consultora ambiental Mariza Goulart adotou uma estratégia. Ela fica na calçada do lado oposto da rua à espera do ônibus. Quando ele se aproxima, ela atravessa e faz o sinal:
— Sentimos falta do nosso bonde, aquele original que custava 60 centavos e funcionava perfeitamente. O bonde é o transporte de Santa Teresa, não o ônibus — dizia ela, bem embaixo do cartaz onde lia-se “Ônibus é para servir e não para matar”.
Linda Maxwell, sócia da loja Brechó, explica que o cartaz foi colocado ali depois que uma mulher morreu atropelada por um ônibus há um mês, a poucos metros de sua loja, no Largo dos Guimarães. Ela conta que tem medo de passar naquele trecho da calçada.
— Os ônibus descem em alta velocidade, é assustador. Mas olha quantos carros estão parados em locais proibidos — diz ela, ao apontar para uma fileira de veículos estacionados de forma irregular, sendo um deles bem embaixo da placa de proibição. — Não há espaço para os ônibus e os carros precisam ser rebocados.
Rede antiga ainda provoca acidentes nas ruas do bairro
Quem tem a opção de subir e descer as ladeiras do bairro de carro, enfrenta outro problema: os desníveis de até 10 centímetros nos trilhos do bonde. A Rua Joaquim Murtinho, onde também há postes que ameaçam cair desde que foram atingidos por ônibus desgovernados, é repleta de desníveis e considerada uma das piores por motoristas.
— Já vi carro rasgando o pneu na Joaquim Murtinho, os trilhos estão irregulares e em alguns pontos completamente escorregadios. Desde que o bonde deixou de circular, aumentou o número de carros e de ônibus. O trânsito ficou um perigo — contou o motoqueiro José Lucier.
Estrutura não era adequada
Para o vice-presidente do Crea-RJ, o engenheiro Luiz Cosenza, o desnivelamento dos trilhos tem explicação:
— Foram anos de falta de investimentos no sistema de bondes, não foi de um governo específico. Ali não foram usados trilhos bilabiados, que são específicos para bondes. Colocaram, talvez por falta de recursos, trilhos de trem, que não são apropriados. Isso sem contar os cabos da rede elétrica que já estavam frouxos fazendo com que o motorneiro precisasse sair do bonde e arrumar a fiação. Se o projeto for bem feito, com os trilhos certos e bem colocados, acredito que não dará errado.
A Secretaria da Casa Civil, do governo do estado, ainda não deu detalhes de como será feita a substituição dos trilhos, se haverá fechamento de ruas e por onde começará a obra, que será realizada pelo consórcio Elmo-Azvi, vencedor da licitação. Adiantou, entretanto, que os trilhos atuais serão substituídos pelos bilabiados, num trecho de 17,5 quilômetros. O projeto prevê ainda 28 quilômetros de cabos de energia elétrica, que servem para alimentar os bondes, além da substituição de 39 postes e o acréscimo de outros 39.
Dois anos após tragédia, ainda há dúvidas sobre o trajeto
Outra expectativa dos moradores de Santa Teresa é a volta do traçado original do bonde: o do ramal Silvestre, que vai possibilitar a integração com o bondinho do Corcovado, e o da Rua Francisco Muratori, que liga Santa Teresa à Lapa. O novo modelo do bonde, entretanto, fechado e com menos lugares de passageiros, ainda não foi bem aceito pelos moradores do bairro.
Nesses quase dois anos sem o bonde — o acidente ocorreu no dia 27 de agosto de 2011—, Santa Teresa viveu uma onda de protestos e homenagens aos mortos. No local exato do acidente, na Rua Joaquim Murtinho, foi colocada uma placa, na qual moradores responsabilizam o governo, e foram plantadas flores e uma muda de pau-brasil.
Homenagens em grafite
O motorneiro Nelson da Silva, figura querida do bairro que morreu no acidente, teve o rosto estampado em grafites pela região e até em camiseta de bloco carnaval. O luto também foi mostrado na imagem do bonde com uma lágrima, estampa que acabou se tornando o símbolo da tragédia.
— O bonde é a alma de Santa Teresa. É o transporte por excelência, o mais adequados a nossa topografia e ambiente cultural, e estrutura urbanisticamente o bairro porque substitui os ônibus e induz os motoristas a estacionarem direito seus carros — diz o motorneiro.
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