Num caderno espiral de 136 páginas, estão depositadas as esperanças do ministro da Fazenda, Guido Mantega, para deslanchar a economia neste segundo semestre. É ali que estão listados os projetos de infraestrutura que serão oferecidos ao setor privado. O documento está sempre com o ministro em seus encontros com investidores, sejam empresários da construção civil, diretores de fundos estrangeiros ou fornecedores de equipamentos. Se tiverem boa procura, os negócios irão movimentar a economia, dando início a um círculo virtuoso no qual a melhora da logística vai fomentar investimentos no setor produtivo, reduzindo os custos e aumentando a competitividade do País.
“As concessões vão destravar a economia”, diz Horácio Lafer Piva, conselheiro da Klabin. É com isso que conta o ministro para mudar o mau humor que dominou os mercados nos últimos meses. “Os leilões começam a ser feitos neste ano e as obras, no ano que vem, quando podemos crescer de 3,5% a 4%”, disse Mantega à DINHEIRO. O ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, também confia no sucesso das concessões para acelerar a economia. “Elas vão mudar a percepção dos empresários e estimular novos investimentos”, afirmou o ministro à DINHEIRO. Oportunidades não faltam. Somente no setor de transportes, o governo deve contratar projetos no valor de R$ 180 bilhões.
Em 2014 e 2015, serão oferecidos ao setor privado mais dois lotes de R$ 125 bilhões em cada ano, mudando radicalmente o cenário brasileiro (leia cronograma abaixo). “Isso vai praticamente eliminar o déficit de infraestrutura”, diz Bernardo Figueiredo, presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL). Ainda neste mês de agosto, o governo vai promover leilões para a construção de usinas hidrelétricas e de outras fontes de energia. A partir de setembro, começam as concessões de rodovias. “O sucesso dos leilões rodoviários terá impacto positivo na cadeia logística”, diz Paulo Cesena, presidente da Odebrecht Transport, braço da construtora que atua em mobilidade urbana.
POD NOS TRILHOS
- Investimentos, projetos e desafios da CCR na mobilidade urbana
- O projeto de renovação de 560 km de vias da MRS
- Da expansão da Malha Norte às obras na Malha Paulista: os projetos da Rumo no setor ferroviário
- TIC Trens: o sonho começa a virar realidade
- SP nos Trilhos: os projetos ferroviários na carteira do estado
Nos meses seguintes, será a vez das ferrovias, dos portos e dos aeroportos. A própria Odebrecht vai repetir a dobradinha com investidores de Cingapura para disputar os terminais aéreos de Confins, em Belo Horizonte, e Galeão, no Rio de Janeiro. O governo também planeja conceder 270 aeroportos regionais. A joia da coroa, que tem interesse garantido entre as grandes petroleiras, será o leilão do campo de petróleo de Libra, no Rio de Janeiro, o primeiro no pré-sal. O bônus de assinatura, que será pago ainda neste ano, é de R$ 15 bilhões, mas é o investimento na exploração e produção que vai movimentar a indústria naval e de equipamentos petroleiros.
O interesse privado por esses investimentos sempre foi elevado, mas a insistência do governo em apertar as taxas de retorno resultaram numa queda de braço. Encarregado pela presidenta Dilma Rousseff de chegar a uma proposta que seja atraente para as empresas – afinal, é a disputa que reduz o preço da obra ou do serviço –, Mantega diz que os investidores ficaram satisfeitos depois que ele elevou a taxa de retorno interno (TIR). No caso das rodovias, a TIR do projeto aumentou de 5,5% para 7,2% e nas ferrovias o retorno chega a 8,5% nos trechos menos atraentes. “O governo sempre acha que todo mundo está chorando”, diz um empresário que acompanha de perto o processo de concessões. “Na verdade, os investidores querem uma TIR que corresponda aos riscos. Só isso.” Já o ministro Mantega demonstra convicção no sucesso dos leilões.
“Todas as grandes construtoras dizem que vão participar”, revela, lembrando da “boa receptividade” dos estrangeiros durante um road show em Nova York, em fevereiro. Para o ministro, não existe crise de confiança. A prova, diz ele, é o volume recorde de investimentos estrangeiros, no primeiro semestre deste ano. Mas essa percepção não é unânime no mercado. Humberto Gargiulo, presidente da Upside, consultoria que auxilia participantes dos leilões, salienta que o interesse nas concessões diminuiu muito nos últimos meses. “Há um volume muito grande de projetos para a quantidade de investidores interessados”, afirma. Opinião semelhante tem o presidente do Insper, Claudio Haddad. “Mas os investidores querem ganhar dinheiro. Se aparecerem boas oportunidades, eles vão entrar”, diz o economista.
O advogado Fernando Marcondes, especialista em infraestrutura do escritório L.O.Baptista -SVMFA e presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Construção, avalia que há um ambiente de insegurança cercando as concessões. “As regras não são claras”, afirma. Ele reclama da falta de diálogo do governo com o setor privado. Mais otimista, o empresário Pedro Luiz Passos, copresidente da Natura, acredita que o governo está na direção correta. “Precisamos desesperadamente aumentar a taxa de investimento no País para criar um novo vetor de crescimento”, afirma Passos, que também preside o Instituto para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). A chance de o governo virar o jogo da economia está posta à mesa e a estratégia, traçada no caderno espiral do ministro Mantega.
Seja o primeiro a comentar