A despeito da belicosidade entre ALL e o grupo Cosan, a companhia de logística comandada por Wilson de Lara e Ricardo Arduini tem interesse em buscar uma saída negocial para a disputa sobre o bilionário contrato de investimento no transporte de açúcar firmado em março de 2009.
A Estáter, de Pércio de Souza, está atuando em busca de uma solução para o acordo, ao lado da ALL. Procurada, a Estáter, não comentou o assunto.
Até a chegada do negociador, tudo indicava, dada a agressividade dos posicionamentos, que a questão ficaria à mercê de uma solução arbitral. Os interlocutores que cuidam da briga não poupam acusações, têm mão pesada nas cobranças financeiras e sempre que podem vão ao Judiciário e recorrem à agência reguladora do setor.
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Em outubro, os dois lados foram à Justiça para defender seus interesses. A ALL tomou a iniciativa, pedindo o rompimento do contrato, alegando conter cláusulas abusivas que ameaçavam sua sobrevivência financeira.
A Rumo Logística, empresa do grupo Cosan, também se movimentou logo a seguir, buscando garantir seus direitos como cliente, especialmente por estar investindo mais de R$ 1,2 bilhão na malha da ALL.
Ambas as empresas acionaram a cláusula de arbitragem para resolver o caso em uma câmara de São Paulo. O processo está em fase de definição dos três árbitros e pode durar até dois anos.
Os números envolvidos nessa disputa são bilionários. O grupo Cosan, dono da Rumo, poderá pedir uma indenização da ALL por quebra de contrato de R$ 4,5 bilhões a R$ 5 bilhões, pelo menos, segundo especialistas ao Valor. O acordo envolve transporte de açúcar, devendo atingir 13 milhões de toneladas por ano a partir de 2014, e tem prazo de duração até 2028
O contrato versa sobre a construção de um corredor de transporte de açúcar sobre os trilhos da ALL do interior paulista (Itirapina, próximo de São Carlos) até o porto de Santos. Na época em que foi firmado, foi comemorado pela direção da ferrovia como um grande feito, pois geraria carga de um produto que era quase nada na matriz de carga da ALL: iria mais que sextuplicar o transporte de açúcar na ferrovia.
Pelos termos, a Cosan – no caso, a subsidiária Rumo – faria o investimento estimado à época em R$ 1,2 bilhão. O dinheiro seria usado na duplicação de um trecho de 400 quilômetros, na compra de mais de 50 locomotivas e de cerca de 1 mil vagões e na construção de terminais de cargas específicos para embarques em trens no interior e em Santos.
Parecia o contrato dos sonhos para uma ferrovia e tudo parecia correr muito bem. Mas problemas na obtenção de licenças ambientais para realização das obras de duplicação da linha, sob a responsabilidade da ALL, começaram a azedar a relação. À concessionária foram atribuídos erros na execução dos pedidos, gerando atrasos no andamento do projeto. O contrato previa aumento gradual da carga mensal de açúcar a partir 2010, até chegar a 1,1 milhão de toneladas em 2014.
O foco das conversas para as quais a Estáter foi contrata, conforme o Valor apurou, são os termos do contrato, assinado por uma gestão que hoje não está mais à frente da ALL.
Não estão mais na companhia nem Bernardo Hees, presidente na época – ele saiu em 2010 e hoje conduz a fabricante de ketchup Heinz – nem Paulo Basílio, que era diretor financeiro e ficou no lugar de Hees por dois anos – e hoje também está na Heinz, adquirida pelo fundo 3G, de Jorge Lemann, e pela empresa de Warren Buffett.
A gestão da ALL estava nas mãos da GP Investimentos na época da assinatura do contrato. Só que, desde então, a cultura GP só diminuiu na empresa. Também em 2009, a GP transferiu sua fatia à BRZ, gestora indiretamente controlada por ela própria. Os investidores mais relevantes do fundo BRZ ALL eram Petros e Funcef.
Os sócios criadores da GP, Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles, que tinham quase 16% no negócio, também saíram gradualmente da companhia.
As saídas potenciais desta situação herdada com a Cosan vão da revisão do acordo, passam pelo risco de uma intervenção do regulador, e chegam até o casamento definitivo dos planos de ambas as companhias. Se tudo falhar, a questão será decidida pela arbitragem. Após uma longa espera de ambas as partes envolvidas.
O foco pode ser a revisão das condições vigentes do contrato, mas o mercado também não descarta a possibilidade de se reconstruir o diálogo para a aquisição de participação que a Cosan pretendia fazer na ALL. Em agosto deste ano, após chegarem muito próximo de um acordo, foram encerradas as negociações, que já duravam um ano e meio.
O período de conversas gerou grande desgaste das relações entre os envolvidos. E não falta quem aponte a arbitragem como consequência do fracasso das conversas.
O contrato já não estava sendo cumprido à risca pelas partes durante as negociações e todos estavam flexíveis. Mas, tão logo a Cosan desistiu da transação, passou a cobrar rigidamente a ALL.
Pelo que estava se desenhando antes da guerra, a Cosan, do empresário Rubens Ometto, entraria no chamado bloco de “de controle” da ALL, comprando ações de De Lara e de Arduini e sua esposa. O processo travou, entre outras razões, porque Funcef, Previ, BNDES e mais fundos, sócios da ALL, também quiseram vender parcelas de suas ações diante do gordo prêmio de mais de 100% pago pela Cosan.
Até agosto, Ometto estava disposto a colocar R$ 896,5 milhões na compra de 5,6% do capital total da ALL, o que lhe conferiria maioria de poder no grupo que conduz a estratégia da empresa, aliado a De Lara e Arduini, que permaneceriam no bloco controlador. A Cosan ficaria com 38,98 milhões de ações da ALL – 87% delas vinculadas ao acordo de acionistas.
Outro ponto de atrito na última fase de negociação, principalmente com os fundos, era a atuação da Rumo, que tinha planos de competir em operações ferroviárias. Tentou se negociar uma cláusula de não competição, mas sobre a qual também não houve consenso. Ometto tem como minoritários o fundo americano Texas Pacific Group (TPG) e a gestora de recursos Gávea, fundada por Armínio Fraga, cada um com 12,5% do capital.
Segundo a Rumo, foram adquiridas e entregues à ALL 50 locomotivas de última geração e mais de 900 vagões, com investimento de R$ 500 milhões. E que já repassou à concessionária cerca de 70% dos R$ 600 milhões orçados para obras de duplicação da ferrovia.
Para o embate judicial, a Cosan de Ometto armou-se do escritório do famoso advogado Arnold Wald. Já a ALL entregou a causa ao escritório de Ernesto Tzirulnik. O argumento é que o contrato é, de fato, “uma sociedade leonina, com cláusulas abusivas e desfavoráveis à ALL”. O acordo, no entanto, foi de pleno conhecimento do conselho de administração da concessionária e de sua área jurídica no ato de sua assinatura.
Desde maio, a ALL parou de pagar à Rumo os valores referentes a multas, usos de seus ativos, diferenças de fretes entre ferroviário e rodoviário, entre outras cobranças previstas no acordo. A suspensão foi oficializada na Justiça, com uma ação liminar em 10 de outubro. Até o fim de setembro, o passivo era de R$ 195 milhões. O juiz exigiu um depósito do valor, feito na forma de seguro-garantia. Outros R$ 40 milhões vêm sendo acumulados a cada mês, disse uma fonte ao Valor.
Hoje, uma das principais questões entre as duas empresas envolve a capacidade de transporte de açucar da ALL para Santos. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que emitiu um despacho cautelar em julho com cargas mínimas mensais, o qual devia ser cumprido pela ferrovia a partir de setembro, teve de rever sua posição, ante questionamento dos advogados da ALL de que não havia ouvido a empresa.
Atualmente, segundo informações, a ferrovia vem carregando pouco mais de 200 mil toneladas de açúcar ao mês para o terminal da Rumo em Santos – em torno de 25% do volume estabelecido para este ano
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