O Tribunal de Contas da União (TCU) colocou em xeque os próximos passos do programa de concessões de ferrovias. Após quase três horas de discussões, ontem à tarde, os ministros do tribunal deram aval aos estudos de viabilidade técnica e econômica da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico). Com isso, o governo fica autorizado a publicar o edital de licitação da chamada “Ferrovia da Soja”, que ligará os municípios de Lucas do Rio Verde (MT) e Campinorte (GO).
Dificilmente o governo poderá comemorar vitória. Serão necessários ajustes importantes para o lançamento do edital. O governo precisará, por exemplo, baixar de R$ 6,3 bilhões para R$ 4,7 bilhões o custo das obras. Foram identificadas, por exemplo, estimativas exageradas nos gastos com terraplenagem, construção de viadutos e quantidade de brita transportada. As determinações do TCU vão reduzir a tarifa-base do leilão e podem afetar o interesse das empreiteiras pela ferrovia.
Pior ainda: no caso das novas linhas férreas, que terão de ser construídas do zero, o tribunal deixou claro que só vai avaliar a viabilidade com base em projetos básicos de engenharia. Isso tende a arrastar a maioria das concessões de ferrovias, na melhor das hipóteses, para 2015.
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Até agora, apenas a Fico tem projeto básico, entre os 14 trechos do megaprograma de concessões anunciado pela presidente Dilma Rousseff no ano passado. O governo deverá abrir procedimentos de manifestação de interesse para que as próprias empresas se encarreguem de elaborar os projetos básicos – um estudo com nível de detalhado mais apurado – dos novos empreendimentos (“greenfield”). Trechos que exigem apenas adaptações da malha existente, como São Paulo-Rio Grande e Rio-Vitória, poderão ser licitados com base nos anteprojetos conceituais.
Para aprovar o novo modelo do setor, os ministros do tribunal atropelaram relatório da área técnica, que não via amparo legal nas concessões. De acordo com a análise técnica, os decretos publicados recentemente pelo governo para viabilizar esse modelo não constituíam um “instrumento jurídico adequado” justificar a compra da capacidade de carga pela estatal Valec. A Secretaria de Fiscalização e Desestatização (Sefid) do TCU também apontou que o modelo se assemelha a parcerias público-privadas (PPPs), mas está sendo implantado por meio da Lei de Concessões, o que é “incompatível”.
O relator do processo, ministro Walton Alencar, contrariou os argumentos da equipe técnica e defendeu a legalidade das regras. “O papel da Valec é absolutamente aderente aos objetivos da lei”, sustentou Alencar. Ele também se apoiou nos últimos leilões de rodovias, que chegaram a ter desconto de até 52% sobre as tarifas máximas de pedágio, para justificar a viabilidade econômica das novas linhas.
Só com a Fico, segundo estimativas da equipe técnica, a Valec terá prejuízo de R$ 684 milhões em 2019 e de R$ 583 milhões em 2029. No novo modelo de ferrovias, a estatal compra toda a capacidade de carga das futuras concessionárias, que ficam com “risco zero” de demanda. Vence o leilão quem pedir a menor tarifa da Valec. Em seguida, a estatal vai ao mercado para revender esse direito de uso dos trilhos. Se revender tudo (por um preço maior do que pagou à concessionária), tem lucro. Se não, sai no prejuízo.
Para o relator, é precipitado dizer que ela ficará no vermelho, já que os leilões mais recentes têm sido alvo de intensa disputa. Se houver deságio de 40% na tarifa-base do leilão da Fico, segundo Walton Alencar, a Valec pagará menos à futura concessionária e poderá ter rentabilidade positiva com essa ferrovia a partir do décimo ano de vigência do contrato.
O ministro Augusto Sherman afirmou que, ao longo dos 35 anos de vigência do contrato, a Valec terá desembolsos de R$ 23 bilhões somente com a Fico. Com essa constatação, abriu-se um debate no TCU sobre a necessidade de exigir do governo um estudo que demonstre se a despesa será coberta por “recursos decorrentes de novos tributos” ou de “empréstimos da União”. No fim das discussões, os ministros do tribunal deram prazo de 360 dias para que o governo diga exatamente de onde sairá o eventual subsídio à Valec, justamente um dos pontos de maior aflição entre as empresas interessadas.
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