No coração da República, enquanto um número cada vez maior de carros entope até mesmo as avenidas largas da capital, o sonho de muitos brasilienses que moram ou trabalham no Plano Piloto é ver o metrô construído nos anos 1990 finalmente chegar à Asa Norte. Uma expansão da rede atual em 7,5 quilômetros e cinco novas estações, incluindo esse trecho da cidade, tinha tudo para caminhar desde que a presidente Dilma Rousseff anunciou um pacote bilionário de investimentos em mobilidade urbana.
A União garantiu R$ 630 milhões, em recursos a fundo perdido, dos R$ 700 milhões necessários para ampliar o metrô no Distrito Federal. Só que, mais de dois anos depois do anúncio feito pela presidente, o governo local não fez sua parte: concluir um projeto básico de engenharia para ter acesso às verbas e licitar as obras.
Para frustração de quem saiu às ruas em protesto contra a má qualidade dos serviços de transportes, em junho do ano passado, o caso de Brasília não é uma exceção. Estados e municípios têm sido incapazes de sacar recursos bilionários oferecidos pela União para investimentos em mobilidade urbana. Até abril, segundo dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação, governadores e prefeitos conseguiram retirar apenas R$ 479 milhões dos R$ 12,4 bilhões a fundo perdido assegurados por Dilma para obras como metrôs e corredores de ônibus.
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Esse desembolso pífio mostra a lentidão das autoridades em dar uma resposta ao clamor das ruas e melhorar a oferta de transportes. Lançado pela presidente em abril de 2012, antes mesmo das manifestações, o PAC Mobilidade – Grandes Cidades previa investimentos totais de R$ 37,6 bilhões em 44 obras. As condições do programa ajudavam a tirar do papel empreendimentos planejados até por governos que enfrentam dificuldades nas contas públicas. Foram garantidos R$ 12,4 bilhões em verbas federais sem necessidade de devolução e outros R$ 13,9 bilhões em financiamentos a taxas módicas, pela Caixa Econômica Federal ou pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com até 30 anos para pagar e cinco de carência. Governadores e prefeitos entrariam apenas com o dinheiro restante.
Para liberar os recursos, o governo Dilma fez só uma exigência: a apresentação de projetos de engenharia até outubro de 2013. Diante do descumprimento de prazos, estendeu esse limite para o fim de dezembro, mas a maioria dos Estados e municípios ignorou a data. Um novo prazo foi dado: 30 de junho de 2014. Até agora, apenas 21 das 44 obras do PAC Mobilidade – Grandes Cidades tiveram financiamento contratado junto ao Ministério das Cidades.
Em algumas ocasiões, casos de empreendimentos bem-sucedidos e travados convivem lado a lado. No Rio de Janeiro, o BRT Transbrasil e o veículo leve sobre trilhos (VLT) do centro cumpriram todos os requisitos, mas a linha 3 do metrô (São Gonçalo-Niterói) não consegue avançar. Em Brasília, o projeto de um ônibus expresso que sai das cidades-satélites do Gama e de Santa Maria para chegar em via exclusiva até o Plano Piloto já entrou em testes.
O diretor técnico do Metrô-DF, Luiz Gonzaga, justifica os atrasos pela falta de planejamento nas últimas duas décadas. Sem grandes obras de infraestrutura nos anos 80 e 90, segundo ele, houve forte desmobilização dos escritórios de engenharia e hoje tornou-se complicado achar projetistas.
Para o diretor, a retomada dos investimentos encontrou esse setor sem condições de atender adequadamente à nova demanda por projetos. Foi o que ocorreu, na versão dele, com o metrô da capital. A Engevix foi contratada pela estatal para fazer o projeto básico de expansão do sistema, mas ela não entregou os trabalhos no ano passado e foi multada, afirma Gonzaga. Para não atrasar ainda mais, houve “fatiamento” do projeto, que engloba as estações no início da Asa Norte e nas cidades-satélite de Ceilândia e Samambaia. Os trabalhos só serão concluídos na íntegra, entretanto, no fim do mês que vem.
A promessa do Metrô-DF é licitar os 7,5 quilômetros de expansão da rede no segundo semestre, mas os últimos descumprimentos desautorizam que se faça muita expectativa. Meses atrás, falava-se em iniciar as obras em 2013. “Poderíamos entrar de peito aberto na construção. Mas, sem um bom projeto, teríamos que parar tudo depois”, diz Gonzaga.
Nem mesmo quando a iniciativa privada entra em cena os projetos ficam livres de atrasos constrangedores. Em Goiânia, o governo estadual licitou a construção e operação do VLT do Eixo Anhanguera, que corta a cidade no sentido leste-oeste. O novo meio de transporte terá 14 quilômetros de extensão, 12 estações e cinco terminais de integração.
A licitação da parceria público-privada (PPP) para o projeto, no fim do ano passado, foi vencida pela Odebrecht TransPort e as autoridades prometiam o início das obras para janeiro. Nada aconteceu. Em março, quando o contrato finalmente ia ser assinado, a cerimônia foi cancelada quando todos os convidados já estavam presentes na solenidade. O contrato acabou sendo firmado no mês seguinte, mas as obras não começam antes de 2015, segundo Carlos Maranhão, coordenador do VLT no governo de Goiás.
Faltam desapropriações em terrenos que somam 90 mil metros quadrados, licenças ambientais e a estruturação de um fundo garantidor das PPPs. Maranhão afirma que essas pendências devem consumir o restante do ano, mas vê a obra como “irreversível”.
O secretário nacional de transportes e mobilidade urbana do Ministério das Cidades, Júlio Eduardo dos Santos, reconhece que a “entressafra de projetos de engenharia” tem limitado a velocidade no andamento do PAC.
Para atacar esse problema, ele diz que agora a prioridade do governo federal é financiar também a estruturação dos projetos e só negociar verbas para as obras em si quando tudo estiver pronto.
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