Recessão deve acelerar projetos com chineses

O receio de que os acordos anunciados entre o Brasil e a China fiquem somente na promessa têm sua razão de ser. A evolução de acordos de intenções firmados há mais de uma década, em maio de 2004, quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou a China, mostra que projetos divulgados com grande entusiasmo na época não saíram do papel. Resta saber como a economia doméstica enfraquecida pode fazer diferença no esforço para as promessas serem cumpridas.

Um dos acordos considerados mais importantes durante a visita de Lula em 2004 foi o assinado entre o BNDES e o Grupo Citic, estatal chinesa da área de infraestrutura, que na época tinha US$ 100 bilhões para investir em projetos fora da China. A ideia era selecionar projetos não só no Brasil como na América do Sul para receber recursos do BNDES e do Citic. Na época, os chineses já mostraram interesse em construir uma saída para escoar produtos brasileiros pelo Pacífico e em projetos ferroviários no Brasil.

Cerca de seis meses após a visita de Lula, um dos executivos do Citic declarou em visita ao Brasil que a ferrovia Norte¬Sul e o projeto de ampliação do porto de Itaqui (MA) poderiam receber financiamento de US$ 2 bilhões do governo chinês. Em troca, a China queria garantia de fornecimento de soja, madeira e minério de ferro. Outro projeto de interesse dos chineses na época era a Transnordestina.

Atualmente, dos três trechos previstos, a ferrovia Norte¬Sul opera com cargas regulares apenas um, concedido à Vale ¬ o segundo trecho já foi concluído, mas funciona ainda precariamente. Os trechos da Transnordestina não entraram em operação comercial. Os recursos chineses não chegaram a nenhum dos dois projetos e, segundo a assessoria de imprensa do BNDES, o acordo com o Citic não evoluiu.

Agora, em um momento de retração da economia e escassez de crédito, há mais otimismo com a oferta chinesa de investimentos e financiamento. “Os anúncios são muito bem¬vindos”, avalia Paulo Cesena, presidente da Odebrecht Transport, que controla concessões como o aeroporto do Galeão (RJ) e a rodovia BR¬163 (MT).

Com o menor peso do BNDES nas próximas concessões de infraestrutura, só a disponibilidade de recursos provenientes do mercado de capitais ou de agências multilaterais pode não ser suficiente para garantir o financiamento dos projetos, ele pontua.

Isso não afasta, porém, uma série de dúvidas. Uma delas, segundo o executivo, é sobre eventuais exigências de fornecedores chineses de equipamentos usados nos projetos. Outra é como os créditos anunciados vão lidar com questões como o risco cambial ¬ as concessões geram receitas basicamente em reais e os empréstimos asiáticos podem ser em dólares. Cesena tem uma terceira preocupação: se os chineses têm clareza e aceitam a prática do “project finance” ¬ modelo pelo qual as receitas do empreendimento servem como a própria garantia de pagamento do financiamento. “São temas a serem esclarecidos e as respostas só virão com o detalhamento dos acordos”, afirma.

Diplomatas estrangeiros com base em Brasília se debruçavam ontem sobre os textos firmados por Dilma Rousseff e Li Keqiang com um receio: a concorrência “desleal” com chineses em futuras licitações nas áreas de energia e transportes. Como não faz parte da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a China pode condicionar o financiamento à exigência de participação de suas empresas nos projetos contemplados, o que é mais difícil aos países ¬membros da entidade, por causa do “Consenso sobre Créditos Oficiais à Exportação”.

Um exemplo: a Agência Francesa de Desenvolvimento financia a construção da Linha 13¬Jade de trens, em São Paulo, com € 300 milhões. Nenhuma empresa francesa integra os consórcios vencedores das obras. Isso não teve nenhuma influência, contudo, na liberação do empréstimo.

“Não resta a menor dúvida de que a China tentará incluir, nos acordos, cláusulas que valorizem a exportação de tecnologia e maquinário chinês”, diz o advogado Carlos Roberto Siqueira Castro, sócio¬sênior do escritório Siqueira Castro, que tem parceria com firmas de advocacia no país asiático. “Temos que encarar isso com naturalidade. O que cabe, ao Brasil, é reservar espaço para a sua indústria, com exigências de conteúdo nacional e de transferência de tecnologia, quando isso for conveniente”, afirma.

O embaixador José Alfredo Graça Lima, um dos principais organizadores da visita de Li, garante que não há agenda secreta por trás dos anúncios e frisa: “Os chineses precisarão respeitar integralmente a legislação brasileira. É natural, pelo relevo da visita, que a primeira imagem seja de espanto. Mas é prematuro alguém se sentir prejudicado”.

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