Ativos de sobra em infraestrutura

A operação Lava¬Jato trouxe ao mercado, para venda, variados ativos no setor de infraestrutura, numa só tacada. Pelo menos, R$ 5 bilhões em ativos já estão à disposição de interessados, pertencentes a tradicionais empresas de construção civil que enfrentam desafios financeiros. Tem de tudo: de operações de saneamento, rodovias, metrô, aeroportos, até arenas de futebol.

A grande questão que se coloca é se haverá demanda para tudo e em que preço. E mais: quem serão os compradores? A aposta é que a oferta será grande pelos próximos dois a três anos. O cenário é, no mínimo, peculiar.

Para completar o quadro, além das vendas privadas, o governo federal também tem um enorme pacote de concessões a licitar, na área de infraestrutura logística. Os cálculos do governo indicam que o financiamento pode alcançar R$ 198 bilhões. Há leilões de rodovias, portos, aeroportos e ferrovias previstos para serem realizados até o fim do próximo ano ¬ nenhum adiamento ou mudança oficial.

E, como a cereja do bolo, a Petrobras busca compradores para seu ambicioso plano de desinvestimento. Pretende obter US$ 15 bilhões para o caixa até 2016. A disputa por capital, portanto, promete ser acirrada.

É fácil concluir que a maré está a favor dos compradores ¬ o lado que está com o bolso cheio.

De compradores, na ativa estão apenas estratégicos estrangeiros dispostos a apostar no Brasil do futuro ¬ com destaque para os asiáticos ¬ e fundos de participações dedicados a este segmento, internacionais e domésticos.

Há nomes de peso como Brookfield, Mitsui, além de chineses diversos. Dentre os financeiros, os nomes não são menos charmosos. BTG Pactual, Gávea, Pátria, Blackstone, dentre tantos, têm fundos dedicados e com saldos polpudos de recentes captações a investir.

Os tradicionais investidores nacionais, as próprias construtoras, estão fora. Na verdade, são as vendedoras dessas operações.

Os grupos que entraram em dificuldades financeiras optaram por se desfazer de propriedades ¬ em sua maioria concessões ¬ justamente com objetivo de manter a área de construção pesada, considerada o foco.

Nessa lista, estão companhias como OAS, Galvão Engenharia e UTC. As duas primeiras estão em processo de recuperação judicial, e a UTC tenta uma negociação com os credores financeiros.

Até este momento, apenas a Camargo Corrêa é alvo de apostas de que deixará de atuar no ramo de construção e engenharia civil. O grupo possui diversos negócios ¬ e maduros ¬ em setores muito menos polêmicos, de cimento, a concessões rodoviárias e até fabricantes de jeans e calçados. A companhia, no entanto, não anunciou nenhum movimento.

As duas líderes do ramo ¬ Andrade Gutierrez e Odebrecht ¬ a despeito de não demonstrarem sinais de fraqueza financeira, tampouco pensam em investir. Não há clima nem disposição para grandes passos.

A Andrade Gutierrez tem estudado seus ativos numa tentativa de melhor organizar as operações, também variadas. Na Odebrecht, até onde se tem notícia, não há revisão estratégica em marcha. Mas a empresa já admitiu baixo interesse nos leilões federais e a existência de ativos que podem ser vendidos parcial ou integralmente e que valem até US$ 3 bilhões.

Em comum: todas essas companhias tiveram suas principais lideranças ¬ e reputação ¬ comprometidas pelas investigações do Ministério Público Federal (MPF) na Lava¬Jato, por suspeitas de corrupção, formação de cartel, fraude à licitação, entre outros.

Além da crise de confiança, a própria Petrobras contribuiu para a dificuldade financeira do setor, ao deixar de fazer pagamentos relevantes ¬ especialmente dos contratos chamados de “aditivos”. A decisão pesou para as companhias de médio porte. Só UTC e Galvão Engenharia têm juntas cerca de R$ 2,5 bilhões a receber. Obras já feitas, mas não pagas.

No comparativo, no atual horizonte, a venda das participações em concessões pelas construtoras ¬ por serem em volume muito menor ¬ parece muito mais fácil de concretizar. Mas a questão não é tão simples assim. Fundos de participações (private equity) e grupos estratégicos acreditam que a oferta de ativos à venda vai aumentar. Por isso, alguns resistem em decidir já o que fazer. E ainda dizem não sentir nenhum clima de “liquidação”.

O Valor consultou diversos fundos de infraestrutura locais, grandes fundos internacionais, e bancos de investimentos que estão à procura ou já representam sócios “estratégicos” estrangeiros.

A mensagem, em geral, é que: “no preço certo, haverá demanda para tudo”. Conforme o presidente de um grande banco estrangeiro, a despeito do momento econômico, há capital de longo prazo disponível para Brasil.

Mas o preço dito “certo”, segundo eles, está distante do atual ¬ o que deixa dúvida sobre o sucesso e a velocidade dessas operações. A queixa repetida é que os valores não são coerentes nem com a urgência dos vendedores nem com o retorno dos investimentos.

As concessões à venda pelas construtoras são fatias dentro de consórcios já existentes. Nesses ativos, há pouco a fazer na tentativa de ampliar retorno. Tudo já está dado. O comprador precisa: aceitar as condições de prestação de serviço já contratadas com o governo; honrar os contratos de construção já em execução; e se acomodar dentro de um acordo de acionistas preexistente ou revê¬lo.

Sem contar, apontam aqueles que já olharam alguns ativos de perto, que como os compradores eram as próprias construtoras, elas aceitavam um retorno mais baixo nesse investimento. A concessão era uma forma de garantir a demanda em construção civil. Em geral, as construtoras são as donas das concessões e as realizadoras das obras, contratadas por si próprias. A despeito do aparente conflito, não há críticas quanto à qualidade da execução ¬ ao contrário. O problema da concessão é que o lucro já chega espremido.

O negócio com a participação de 24,4% da OAS na Invepar dá uma ideia de como o funil é estreito. O ativo é tido como um dos mais interessantes, ao lado da CAB, da Galvão Engenharia, e da participação de 23% da UTC no aeroporto de Viracopos. São também os de maior valor estimado. A Invepar é avaliada em cerca de R$ 1,2 bilhão; CAB, em R$ 800 milhões; e Viracopos, em até R$ 500 milhões.

A operação feita pela Brookfield, de um empréstimo á OAS em que as ações na Invepar são a garantia, foi levada a 43 potenciais interessados. A Brookfield ¬ apontada como evidente interessada no país ¬ aceitou dar R$ 800 milhões à OAS, em troca, além da garantia e da remuneração, do direito de fazer a melhor proposta pela Invepar quando for a leilão dentro da recuperação judicial da controladora.

A expectativa é que toda essa movimentação poderá resultar numa grande mudança no perfil do setor ao longo dos próximos anos, com mais sócios financeiros e mais estrangeiros. Mas ainda não se sabe quem serão os grandes sobreviventes após a Lava¬Jato e quais os estrangeiros terão se constituído como grandes no Brasil.

A rentabilidade no ramo de infraestrutura, como um todo, deve ficar melhor dividida entre concessionários (operadores) e os construtores (executores).
Há, entre os mais ousados, aqueles que apostam que a reorganização pode culminar na decisão de algumas empreiteiras de aceitar sócios no negócios para sobreviverem. “Tenho poucas dúvidas de que este será o caminho. Especialmente, pelo selo de credibilidade que isso pode trazer a um negócio com imagem tão desgastada”, disse fonte ouvida pelo Valor.

As empresas de construção pesada, em geral, são 100% controladas pelos grupos fundadores. São a origem dos grandes conglomerados. O ramo a partir do qual as organizações cresceram e se expandiram. Isolado da questão política atual, trata¬se de um negócio de baixo risco financeiro, pois não há empenho de capital próprio. A construtora recebe em parcelas antecipadas conforme o andamento dos empreendimentos.

As vendas urgentes do momento são, na visão de todos, apenas o início da remodelagem do setor no Brasil

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