Quando o relógio da Estação Ferroviária marcou 15h em 28 de julho de 1935 e o apito de trem invadiu os ouvidos dos não mais que 600 habitantes do povoado de Londrina, um dos eventos históricos locais mais importantes aconteceu: a chegada da locomotiva Baldwin. Com caldeiras à vapor e maquinaria construídas em Nova Iorque, o trem que utilizava uma das mais importantes tecnologias de propulsão para motores marcou, de forma determinante, o norte do Paraná e todas as cidades ao longo da linha férrea.
Há 80 anos, o povo se alvoroçava na primeira estação ferroviária para receber a primeira viagem oficial de trem a Londrina, em 1935, com partida de Jataizinho e duração de quase quatro horas. A estação estava instalada em um local que pouca gente imaginaria hoje, ante a falta de sinais ou marcos. A casa de madeira do feito histórico ficava no que é atualmente o piso inferior do Terminal Urbano de Londrina, no centro.
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Com o desenvolvimento meteórico dos negócios de terras após a ferrovia, uma segunda estação ferroviária foi construída em 1951 para se tornar sede do sistema ferroviário regional. Durou até 1982, quando os trilhos que “dividiam Londrina” foram, em definitivo, retirados e a segunda estação virou a sede do Museu Histórico Padre Carlos Weiss.
Antes da via férrea chegar a Londrina, quem quisesse comprar terras ou trabalhar por aqui deveria vir de trem até Jataizinho, do outro lado do Rio Tibagi, e arriscar-se em uma travessia em balsas e barcos para, depois, continuar a viagem no lombo de animais, até o povoado.
Naquela época, os apitos do trem, a 20 quilômetros por hora, anunciavam a chegada da comitiva em meio aos fogos de artifício e aplausos dos moradores.
No trem de passageiros estava a comitiva com representantes dos governos de Londrina, do Paraná e dos ingleses da Companhia de Terras Norte do Paraná – proprietária da ferrovia e dos trens.
Mister Thomas, terceiro prefeito de Londrina e diretor da Companhia, seria um dos orgulhosos a desembarcar naquele dia.
Tudo registrado em filme: Hikoma Udihara, vendedor de terras da companhia e primeiro cineasta de Londrina, fez das imagens da locomotiva avançando em meio aos cafezais material de divulgação para os novos compradores que chegariam aos milhares.
“O trem já existia em Jataizinho desde 1932 e atravessar o Tibagi era sempre uma tragédia, um risco”, conta Ninger Ovídio Marena, 68, pesquisador da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e um dos responsáveis pelo Museu de Geologia da instituição.
Com o trem, vieram as linhas de telégrafo, de energia, mercadorias, mais conforto. E gente. Muita gente. “A linha férrea é um divisor de águas da história regional. A partir daí, as cidades começaram a surgir e as populações duplicaram, triplicaram aqui no Norte do Paraná”, conta. “Em 1935, automóveis eram artigo de luxo, gasolina era importada, estradas inexistiam e o trem, simplesmente, representava tudo”.
Devido à importância da data e do feito, o pesquisador, até hoje, não compreende como no andar debaixo do Terminal não há um painel gigante com fotos e imagens da época, marcando o lugar: “As pessoas têm o direito de saber que ali é um lugar muito simbólico para Londrina, um marco histórico da nossa região”, atesta.
Baldwin era ônibus espacial da época
Aficionado em ferrovias e miniaturas de trens, o arquiteto Christian Steagall-Condé fez parte, inicialmente, da equipe de restauro da locomotiva Baldwin que hoje está no Museu Histórico Padre Carlos Weiss. A locomotiva nunca circulou aqui na região: veio de Jundiaí, interior de São Paulo, onde ficava exposta em um parque público. “Tem a mesma configuração da que foi usada na primeira viagem para Londrina. Na época, significava o máximo da inteligência e da tecnologia mecânica mundial. Era algo tão avançado que usava a mesma tecnologia do Titanic (caldeiras à vapor) e significava o equivalente às viagens do ônibus espacial”, compara. Da locomotiva no pátio do museu, no entanto, o arquiteto esperava mais. Tanto que discordou da escolha do restauro e deixou o projeto antes do fim:
“Fui contra uma recomposição apenas estética. O desejo era ver a locomotiva funcionando nos trilhos para demonstrações e, como não, até pequenas viagens. Não apenas para tirar fotos”, argumenta. Para ele, a locomotiva Baldwin “é dotada de alma” e mereceria mais do que tornar-se um objeto histórico-cenográfico. “Vê-la em movimento seria o resgate completo da memória para as próximas gerações”, opina. “Quem não gostaria de uma viagem no tempo e em movimento?”
“É gente que merece lugar na história”
O avô do pesquisador Ninger Ovídio Marena, o sertanista Ovídio Vicente Rodrigues, era derrubador de mato, entendedor de línguas indígenas e, entre muitos trabalhadores que desapareceram na história, fez a vida a erguer trilhos pelo norte do Paraná. Ao findar a construção do trecho da ferrovia entre Londrina e Apucarana, contaminou-se de malária e faleceu, aos 49 anos. “As ferrovias vieram pelas mãos de muita gente humilde, trabalhadores braçais, ferroviários”, conta o neto dele. “É gente que merece lugar na memória”, diz. Regina Alegro, diretora do Museu Histórico Padre Carlos Weiss, afirma que a história ferroviária de Londrina e região está fotografada, catalogada e disponível para consulta por interessados.
O museu tem dezenas de peças, mobiliários, uniformes de funcionários e objetos da época. “O trem é a tradução do avanço de Londrina e da modernidade que chegava ao norte do Paraná”, diz a diretora. “Era a possibilidade de chegar na região sem ser obrigado a atolar no barro e sem necessidade de enfrentar a floresta”, explica.
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