O rompimento de duas barragens da Samarco Mineração em Mariana (MG), ocorrido na quinta-feira, deve aumentar os preços das pelotas de minério de ferro no mercado internacional a curto prazo. O acidente tende ainda a ter impactos sobre as cotações do próprio minério de ferro. A pressão prevista se explica porque o acidente interrompeu, por tempo indeterminado, as operações da Samarco, que é especializada em produzir pelotas, um insumo da siderurgia. Mas possíveis distorções nos preços das pelotas nas próximas semanas e meses também se justificam pela relevância da empresa no mercado internacional. A Samarco, controlada por Vale e BHP Billiton, responde por cerca de 20% a 25% do chamado mercado transoceânico de pelotas, estimado em na faixa de 150 milhões de toneladas por ano.
A líder desse mercado é a Vale, que produziu quase 36 milhões de toneladas de pelotas de janeiro a setembro deste ano, sendo seguida pela própria Samarco, que produziu 21,4 milhões de toneladas no mesmo período. O preço realizado pela Vale nas pelotas de minério de ferro, no terceiro trimestre, foi de US$ 75,9 por tonelada, cerca de 7% abaixo dos US$ 82 por tonelada do segundo trimestre.
Na sexta-feira, o diretor presidente da Samarco, Ricardo Vescovi, disse que não tinha como afirmar se retomará as operações da mina em Mariana ou se elas serão encerradas. “Isso vai ser avaliado no seu devido tempo. Eu não posso afirmar isso agora”, disse. O Valor voltou a fazer a pergunta ontem por e-mail, mas não obteve resposta. A empresa interrompeu a produção e beneficiamento do minério logo depois dos rompimentos. Na sexta, a produção de pelotas nas quatro pelotizadoras no Espírito Santo continuava com base nos estoques de minério transportado de Mariana até lá. “Nós não estabelecemos prazo para o retorno da operação”, disse Vescovi, na sexta. “O foco são as pessoas.”
Com relação a contratos já fechados com clientes no exterior, Vescovi disse que a empresa espera discutir com cada uma para encontrar uma solução para a interrupção de produção da empresa.
“Nesta fase, ainda não está claro até que ponto a produção [da Samarco] será afetada. No entanto, dada a incerteza, esperamos que os prêmios de pelotas, granulados e minérios finos atinjam seu pico a curto prazo”, disse, em relatório, o Bank of America Merrill Lynch (BofA). O Credit Suisse foi na mesma linha ao afirmar que o acidente pode gerar distorção no prêmio de pelota, “além de ser provável que o preço do minério fino sofra algum impacto”. As pelotas recebem um “prêmio” em termos de preço, em relação aos finos de minério, uma vez que o produto permite melhorar a produtividade das siderúrgicas e também é importante na redução de emissões de gases poluentes na produção de aço.
Antes do acidente, a Samarco tinha como meta consolidar a capacidade de produção de 30 milhões de toneladas anuais de pelotas, volume resultante de investimentos em expansão que chegaram a cerca de R$ 6,5 bilhões. Até 2014 a capacidade da empresa era de cerca de 22 milhões de toneladas anuais. No mercado, analistas previram que o acidente pode paralisar a Samarco por um ano ou mais.
“Há uma forte possibilidade de que as operações da Samarco fiquem fechadas por um período muito prolongado (vários anos)”, apontou o Citi em relatório assinado por Alexander Hacking. Segundo o Citi, a Samarco tem lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) anual de US$ 400 milhões, o que corresponde a 5,3% do Ebitda estimado pelo banco para a Vale em 2015.
Em nove meses de 2015, a Vale recebeu da Samarco US$ 146 milhões em dividendos, o equivalente a 2,53% dos US$ 5,7 bilhões do Ebitda ajustado da mineradora no período. Em 2014, a contribuição foi de 3,29%. No terceiro trimestre deste ano, a Vale registrou Ebitda ajustado de US$ 382 milhões no negócio de pelotas, resultado 33% menor do que os US$ 570 milhões do que no trimestre anterior. O recuo verificado nessa área da Vale foi motivado por redução nos preços e no volume de vendas do produto, além de menores dividendos recebidos da Samarco e das unidades pelotizadoras arrendadas.
Se a previsão do mercado se confirmar e a Samarco ficar um longo período paralisada, o efeito sobre a empresa pode ser devastador. Embora seja uma boa geradora de caixa – registrou receita líquida de R$ 7,5 bilhões e Ebitda de R$ 3,7 bilhões em 2014 -, a empresa precisará desembolsar um valor alto, que pode chegar a “centenas de milhões de dólares” segundo o Citi, para reconstruir seu sistema de produção e pagar as compensações sociais e ambientais que deverão surgir como fruto da tragédia com as duas barragens em Minas.
As causas do rompimento da barragem do Fundão, de rejeito, e de Santarém, de água, ainda não foram identificadas, segundo a empresa. O presidente disse que elas eram operadas e monitoradas em “seu estado da arte” e de acordo com as licenças e a legislação. Ele disse que desconhecia qualquer laudo que indicasse que a barragem de Fundão corria risco. A existência de um laudo desse tipo foi mencionada por alguns veículos de imprensa logo após o acidente.
A dúvida no mercado é como a empresa irá resistir a um longo período de perda de caixa com a parada de produção. E esse cenário leva à possibilidade, também levantada pelo mercado, de que os sócios – Vale e BHP Billiton – tenham de aportar recursos na companhia, algo complicado no momento, de redução nos preços do minério de ferro e dos minerais metálicos. Mineradoras enfrentam queda de receitas e perda no valor das ações. Só na sexta, as ações ordinárias da Vale fecharam em baixa de 7,55%, cotadas a R$ 15,67.
A Samarco, que elevou seu endividamento no projeto de expansão – a dívida líquida era de R$ 9,5 bilhões no fim de 2014 – está sob o escrutínio das agências de rating. A Standard & Poor’s colocou, na sexta-feira, seus ratings em “CreditWatch” negativo, com probabilidade de ao menos 50% de rebaixamento. Em setembro, ela já havia perdido o grau de investimento da S&P depois que a agência rebaixou a nota soberana do Brasil.
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