A queda nos preços de minério deu prejuízo de R$ 44,2 bilhões à Vale em 2015. A mineradora não incluiu na conta possíveis perdas com indenizações pelo acidente em Mariana. A Vale teve prejuízo líquido de R$ 44,2 bilhões em 2015, a primeira perda anual da companhia desde a privatização, em 1997, de acordo com levantamento da Economática. O resultado surpreendeu o mercado, que apostava em perda ao redor de R$ 12 bilhões. Em 2014, a empresa teve lucro de R$ 954 milhões.
O desempenho da mineradora foi afetado por dois fatores principais: a queda do preço do minério de ferro e de outras commodities, como níquel — que afetou a receita e obrigou a companhia fazer baixas contábeis bilionárias —e a depreciação do real, pois a maior parte da dívida da empresa é em dólar. A desvalorização do real ante a moeda americana foi de 47% em 2015. Nenhum dos dois fatores afeta o caixa da empresa.
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Com tamanho prejuízo, o presidente da Vale, Murilo Ferreira, já avalia vender os chamados ativos core ou seja, ligados aos principais segmentos da companhia. São eles: minério de ferro, níquel, cobre, fertilizantes e carvão. Isso representa uma reviravolta na estratégia da Vale, que até agora vinha se desfazendo de ativos não estratégicos, como navios, unidades de energia e ouro.
— O patamar de preços das commodities representa um desafio para o plano de desalavancar (reduzir a dívida) a empresa após a conclusão do S11D (projeto de expansão da extração de minério de ferro em Carajás). Estamos explorando opções mais agressivas, incluindo a venda de ativos ‘ core’ — disse Ferreira em teleconferência com analistas ontem pela manhã.
O objetivo é reduzir o endividamento da companhia em 40%, para US$ 15 bilhões em até 18 meses. Em 2015, a dívida líquida estava em US$ 25,2 bilhões. Perguntado se o aumento de capital seria uma opção no momento, Ferreira disse que não.
À tarde, quando participava de teleconferência com jornalistas, o diretor financeiro da Vale, Luciano Siani, deixou claro que a empresa poderia se desfazer de fatias de ativos estratégicos, mantendo o seu controle. Indagado se o S11D poderia estar na lista, Siani afirmou: “obviamente… ele está no topo da lista do que a gente quer manter no futuro”, mas não deixou claro se alguma parcela poderia ser vendida.
Corte de investimento
Em relatório, analistas do Itaú BBA, comentaram que há negociações em curso para a venda de mais sete navios e outros ativos não estratégicos, com os quais a Vale poderia levantar US$ 5 bilhões. Eles salientaram ainda que a empresa reduziu sua projeção de investimento para 2016, de US$ 6,2 bilhões para US$ 5,5 bilhões. A mineradora atribui essa queda à desvalorização do real e à negociação com fornecedores.
— O mercado foi duplamente surpreendido. O resultado veio muito ruim, com baixas contábeis enormes que não eram esperadas. E a decisão de vender ativos ‘ core’ também preocupa. Ela indica que, na visão da empresa, a situação de mercado está piorando ou vai demorar para melhorar — avalia Luiz Caetano, analista da corretora Planner.
No quarto trimestre de 2015, o prejuízo da Vale foi de R$ 33,2 bilhões. Em igual período de 2014, a empresa teve prejuízo de R$ 4,7 bilhões. Uma realidade bem diferente dos anos dourados da mineração. Em 2011, quando Ferreira assumiu a presidência da companhia e o minério de ferro ainda estava acima dos US$ 100 a tonelada, a Vale teve o maior lucro de sua história: R$ 49,9 bilhões, segundo levantamento da Economática, baseado em números ajustados pela inflação.
De lá para cá o panorama mudou, com sucessivas quedas nos preços. Em 2015, com a desaceleração da China e novos projetos ampliando a oferta de minério de ferro no mundo, o preço da tonelada do minério despencou 43%, saindo de uma média de US$ 96,7 em 2014 para US$ 55,5 em 2015. A cotação de outros minerais exportados pela Vale também caiu: o níquel retrocedeu 30%, o cobre 20%, o carvão metalúrgico, 18%.
A previsão do mercado e da própria Vale é que a tonelada do minério fique em torno de US$ 45 este ano. “2016 será um ano desafiador para os produtores de minério de ferro, pois não são esperados estímulos do governo chinês para incentivar investimentos”, disse em relatório o banco britânico Barclays.
Antevendo essa queda, a Vale vinha se desfazendo de alguns ativos nos últimos anos, já que precisava lidar com o aperto no caixa e o aumento de gastos devido, essencialmente ao S11D, o maior e mais caro projeto da história da companhia. Orçado em cerca de US$ 16 bilhões, o S11D entrará em operação este ano. Ano passado, Ferreira chegou a dizer que o ciclo de desinvestimentos chegaria ao fim no segundo semestre de 2016.
Mas a dívida da empresa não caiu. Em 2011, quando Ferreira assumiu, era de US$ 19,6 bilhões, bem abaixo dos US$ 25,2 bilhões de 2015. No mesmo período, a receita operacional líquida caiu quase 60%. Saiu de US$ 60,9 bilhões em 2011 para US$ 25,6 bilhões em 2015. Em reais, a receita foi de R$ 85,5 bilhões em 2015.
As baixas contábeis de ativos e investimentos, assim como o reconhecimento de contratos onerosos, totalizaram R$ 36,3 bilhões em 2015. A Vale explicou que isso ocorreu, essencialmente, devido “à redução mais significativa nas premissas de preço”. As maiores baixas foram em ativos de metais básicos (como níquel) e carvão. Eles representaram cerca de 90% do total, o que levou alguns analistas a interpretar que esses ativos seriam candidatos potenciais à venda. Siani disse, porém, que não há relação entre a baixa e a oferta de ativos.
Efeito Samarco
A desvalorização do real, por sua vez, levou a uma perda contábil de US$ 8,6 bilhões no lucro. Em ambos os casos, as perdas não afetam o caixa da companhia. Desconsiderando os efeitos contábeis não recorrentes, o prejuízo foi de R$ 6,7 bilhões em 2015, contra um lucro de R$ 10 bilhões em 2014.
— As baixas contábeis acabam ofuscando o resultado operacional da companhia, que foi ruim. A Vale enfrenta um quadro duro. Não vejo perspectiva de lucro em 2016 para a empresa — avalia Adeodato Volpi Netto, chefe de mercado de capitas da empresa de análise Eleven Financial Research.
Ele ressalta os efeitos da paralisação das operações da Samarco no balanço da empresa, após o acidente com uma de suas barragens em Mariana (MG), em novembro de 2015. A Vale detém 50% da companhia e a australiana BHP, os outros 50%.
Em 2015, não houve distribuição de dividendos nem pagamento de royalties à Vale ou à BHP, o que levou a mineradora brasileira a fazer baixa contábil de US$ 132 milhões.
Não foram feitas provisões para as ações movidas contra a Samarco e a Vale devido ao acidente com a barragem. Em uma das ações, que tem como autores a União e os governos de Minas Gerais e Espírito Santo, entre outras instituições, o valor da causa é de R$ 20 bilhões. A Vale negocia a substituição do processo por um fundo privado para ajudar na recuperação do Rio Doce e cidades ribeirinhas. Ferreira participou de uma reunião do grupo de trabalho que trata do assunto ontem em Brasília.
A ruptura da barragem levou a uma queda de 3 milhões de toneladas de minério de ferro produzidas no complexo de Mariana, próximo ao local do acidente. A Vale, porém, conseguiu compensar com outras minas e atingiu produção recorde de no país, de 345,9 milhões.
O ponto positivo do balanço, na visão dos analistas, foi a redução nos custos em 20%, considerando os números em dólares. Em reais, houve alta de 11%.
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