O governo apresentou ontem Proposta de Emenda Constitucional (PEC) criando um inédito teto para os gastos federais, válido para os três poderes, por ao menos nove anos. É a maior mudança na política fiscal brasileira desde o ano 2000. Aprovado, o projeto limitará o crescimento das despesas à variação da inflação no ano anterior, congelando, na prática, os desembolsos. A regra valerá também para Educação e Saúde, cujos orçamentos serão desvinculados do resultado da arrecadação. O plano, que visa à redução da dívida, tem horizonte de 20 anos. A partir do décimo, porém, poderá ser revisto. Economistas elogiaram o pacote, mas alertaram que, sem a reforma da Previdência, não haverá garantia do equilíbrio das contas públicas.
Em uma vitória do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, sobre a ala política do governo, a proposta de emenda constitucional (PEC) que fixa um teto para os gastos públicos será encaminhada ao Congresso prevendo um prazo de duas décadas. A partir do décimo ano, no entanto, a regra — que vai congelar o crescimento real das despesas de todos os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e fazer com que elas sejam corrigidas apenas pelo IPCA do ano anterior — poderá ser revista. Caso seja aprovada, a medida inédita representará a maior mudança na gestão das contas públicas desde a adoção do regime de metas de superávit primário, em 1999, e da aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em 2000. Será a primeira vez que o Brasil terá um teto para os gastos públicos.
— Não podemos gastar mais do que a sociedade é capaz de pagar. Isso se reflete em taxas de juros elevadas. A grande razão que nos levou a essa decisão foi a queda na confiança da sustentabilidade da dívida pública, que fez com que os investimentos e a confiança dos consumidores caíssem. É importante reverter esse processo. O teto é um corte na carne. Estamos anunciando aqui uma coisa abrangente — disse Meirelles, após apresentar a proposta em reunião, ontem, no Palácio do Planalto, a líderes da base governista.
A nova regra muda as vinculações constitucionais para as áreas de Saúde e Educação, hoje atreladas ao comportamento das receitas, e torna mais difícil a tarefa de acomodar gastos no Orçamento. Os poderes Legislativo e Judiciário, que hoje têm margem de manobra para pressionar o Executivo na hora de fixar suas despesas e autonomia para encaminhar ao Congresso projetos de reajuste salarial, por exemplo, também estarão submetidos ao teto. Assim, se quiserem aumentar esses gastos, serão obrigados a cortar em outras áreas para cumprir a lei.
Fortalecendo o ‘Sr. Economia’
No ano passado, por exemplo, à revelia do Executivo, o Judiciário encaminhou ao Congresso um projeto de reajuste salarial de quase 80%. Aprovado, o texto foi vetado pelo Palácio do Planalto. Foi negociada, então, uma proposta com aumento de 40%, aprovada este ano.
Nas áreas de Saúde e Educação, haverá também uma regra mais rígida. Hoje, a Constituição estabelece percentuais mínimos que a União deve gastar nessas duas áreas. A Saúde tem previsão de receber valores crescentes — em 2016, são 13,2%, chegando a 15% em 2020. No caso da Educação, a União é obrigada a destinar 18% da arrecadação ao setor. Com a PEC, porém, esse piso passará a ser o valor gasto em 2016 (se a proposta for aprovada este ano). O montante também será corrigido com base na inflação.
Fora do alcance da PEC, só ficaram os fundos e transferências constitucionais, além de eventuais capitalizações de estatais não dependentes, como Petrobras, Banco do Brasil e Caixa.
Segundo Meirelles, mesmo que não estejam em um horizonte próximo, não é possível prever essa necessidade em um prazo de 20 anos. O governo trabalhava com a possibilidade de o Tesouro aportar quase R$ 6 bilhões na Eletrobras este ano, mas a medida foi engavetada, por enquanto. A ordem é que a própria empresa busque fazer caixa, vendendo ativos, por exemplo.
Para garantir o cumprimento do teto, o governo propôs travas em caso de desrespeito. O poder que ficar desenquadrado não poderá conceder, no exercício seguinte, reajustes a servidores (à exceção dos decorrentes de determinação legal), criar cargos ou funções e realizar concurso.
A decisão de Temer de fechar a PEC com o prazo de 20 anos visa a dar mais poder a Meirelles. O presidente avaliou que não poderia desprestigiar e esvaziar o trabalho do “Sr. Economia”, como Meirelles é tratado por auxiliares de Temer no Planalto. Antes da decisão final, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, defendeu um prazo de dez anos. Mas venceu o entendimento de Temer, de que ao governo, neste momento, cabia apresentar a proposta ideal, e o Congresso, se quiser, que mude e assuma o ônus.
Meirelles afirmou que o governo continuará trabalhando com metas de resultado primário. Como o governo passará a ter um teto para os gastos públicos, o resultado fiscal poderia ser balizado apenas por essa variável.
— É importante que toda a estrutura pública continue seu esforço arrecadador, seja através de cobranças efetivas, de dívida ativa, ou até, no futuro, mas não estou falando que isso vai acontecer, o Congresso contemplar um aumento de impostos — disse Meirelles.
Renan: Proposta deve ser alterada
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse que a PEC dará uma “referência“ sobre as despesas. Mas ressaltou que a proposta deve ser alterada no Congresso e que o ideal seria que ela só fosse enviada ao Legislativo após a confirmação do impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff:
— Como estamos vivendo um momento de interinidade, acho que essas mudanças fundamentais, que significam o aprofundamento do ajuste, poderiam ser transferidas para depois da decisão definitiva do Senado.
O anúncio do pacote não teve impacto significativo no mercado porque, segundo analistas, já era esperado por investidores e ainda terá de passar pelo Congresso.
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