País pode ir à OMC contra sobretaxa sobre aço

Inconformado com a nova onda protecionista deflagrada pelos
Estados Unidos na indústria siderúrgica, o governo brasileiro cogita ir à
Organização Mundial do Comércio (OMC) contra uma decisão americana que
provavelmente resultará em sobretaxa a produtos da CSN e da Usiminas.

As autoridades em Brasília foram comunicadas, na
sexta-feira, sobre o término das investigações do Departamento de Comércio
contra laminados a frio das duas empresas.Os americanos concluíram que sete
programas adotados no Brasil representam subsídio indireto e são passíveis de
medidas compensatórias para proteger fabricantes locais de suposta concorrência
desleal.

Essa era a parte da investigação que mais preocupava o
governo brasileiro. Os indicativos são de que haverá sobretaxa de 11,31% aos
laminados da CSN e de 11,09% aos da Usiminas. Agora o processo segue para a
Comissão Internacional de Comércio (ITC), órgão da Casa Branca responsável por
estabelecer o nexo causal entre as alegadas subvenções brasileiras e os danos
às fábricas instaladas nos EUA. A expectativa é que isso seja definido no fim
de agosto e a sobretaxa entre em vigência nos primeiros dias de setembro.

O Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços
(Mdic) reagiu com indignação. “Discordamos veementemente da conclusão das
investigações e continuaremos a participar do processo para reverter essa
conclusão”, disse ao Valor o secretário de Comércio Exterior, Daniel
Godinho.

O que causa mais inconformismo em Brasília são os programas
atacados pela Casa Branca: o sistema de ex-tarifários, o regime de drawback e o
Reintegra. Os ex-tarifários são uma lista de máquinas e equipamentos sem
similar nacional e, por isso, com tarifas de importação reduzidas. O drawback
isenta de imposto insumos importados para processamento exclusivo em produtos
direcionados à venda no exterior. O Reintegra devolve parte dos tributos
cobrados dos exportadores na produção.

Outros quatro programas entraram na mira de Washington: o
Finame, a redução de IPI para bens de capital, o Desenvolve Bahia (incentivos
tributários estaduais) e o “payroll exemption”.

Para Godinho, o governo fez todas as gestões possíveis antes
da conclusão desfavorável: respondeu questionários, recebeu técnicos americanos
para reuniões no BNDES, deu explicações no comitê de subsídios da OMC e manteve
conversas em nível ministerial entre os dois países.

Uma vez que a conclusão das investigações é definitiva e o
ITC tem apenas a prerrogativa de comprovar o dano à indústria americana,
Godinho considera provável a aplicação das medidas compensatórias a partir de
setembro. “Se isso acontecer, a chance de batermos à porta da OMC é
grande”, antecipa o secretário. “Não descartamos um contencioso no
âmbito do sistema de solução de controvérsias para fazermos valer os nossos
direitos.”

Como visam rebater diretamente políticas governamentais, as
medidas compensatórias são tidas pelo Mdic como ponto que precisa de resposta
mais contundente. Paralelamente, no entanto, a indústria brasileira deverá
sofrer com mais uma sobretaxa.

Na investigação recém-concluída, os americanos apontaram que
a CSN e a Usiminas vendiam laminados a frio com preços inferiores aos
praticados no mercado interno. Isso acarretará a aplicação de um direito
antidumping, respectivamente, de 14,43% e de 35,43%. Trata-se de acusação
voltada às duas empresas especificamente e sem menção a programas oficiais.

Em 2014, último ano que serve de base para a investigação, o
Brasil exportou US$ 65,2 milhões em laminados a frio para o mercado americano.
Um valor mais expressivo, que chegou a US$ 252 milhões em 2015, abrangia as
vendas de laminados a quente. Esses produtos também são alvo de um processo,
menos adiantado, do Departamento de Comércio.

Para fontes do setor privado, a nova onda protecionista tem
relação direta com o processo sucessório na Casa Branca. A indústria
siderúrgica americana tem a maior base na Pensilvânia, um dos “swing
states”, ou Estados-pêndulo. Isso significa que não são redutos do Partido
Republicano, nem do Partido Democrata, e o resultado eleitoral pode mudar a
cada votação. Por isso, às vésperas das eleições presidenciais, um discurso do
governo de defesa vigorosa do emprego e contra importações pode cair bem junto
ao eleitorado.

Além do Brasil, outros cinco países são objeto de
investigações por supostos subsídios: China, Coreia do Sul, Índia, Rússia e
Turquia.

Entidade considera
investigação ‘inconsistente e absurda’

Na avaliação de Marco Polo de Mello Lopes,
presidente-executivo do Instituto Aço Brasil, entidade que representa as
empresas siderúrgicas brasileiras, os argumentos que sustentam investigação do
Departamento de Comércio dos Estados Unidos contra prática da CSN e Usiminas
para laminados a frio “não têm pé nem cabeça, são descabidos,
inconsistentes,  um absurdo.”

Mello Lopes sugere que a indústria do aço americana
conseguiu influenciar o governo a avançar com as investigações de caráter
protecionista. Segundo ele, o processo investigativo erroneamente concluiu que
programas adotados no Brasil em relação aos laminados a frio recebam subsídio
indireto, por isso são passíveis de sofrer penalidades de comércio exterior.

“É muito fácil instruir um processo e transferir o ônus
da prova para quem está se defendendo baseado em algo descabido, uma
inconsistência. Eles estão enquadrando o Reintegra como subsídio, sendo que
vários países tem um Reintegra, a China, a Argentina, o Vietnã. Trata-se de um
mecanismo para equalizar resíduos tributários em operações de comércio
exterior”, explica Mello Lopes.

O dirigente do Instituto Aço Brasil diz que a postura
“aguerrida” do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços
(Mdic) de não aceitar a estratégia americana para o tema é
“louvável”.Nesse sentido, ele acredita que o processo possa ser
encerrado antes da implementação de sobretaxas à importação dos laminados
brasileiros, evitando que o litígio chegue aos painéis de arbitragem da
Organização Mundial do Comércio (OMC).

“Esperamos que o governo brasileiro questione isso nos
canais diplomáticos antes da decisão final da Casa Branca e se tome uma decisão
final. Se espera que o governo americano tome consciência do absurdo em que
está incorrendo”, afirma Mello Lopes.

Ainda de acordo com o dirigente, o processo já está criando
“enorme instabilidades”, pois pode inviabilizar exportações até que
“tudo seja clareado”. “Os Estados Unidos são um mercado muito
significativo, o volume de exportação é muito grande.”

As investigações contra o Brasil ocorrem em meio a um
cenário global marcado por um excedente de 700 milhões de toneladas de aço – 50
milhões de toneladas só no Brasil. “Capacidade de oferta muito acima da
demanda ocasiona um mercado volátil, turbulento e de práticas predatórias, com
cada país tentando bloquear a entrada de produtos”, diz Mello Lopes.

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