Autoridade supranacional para a hidrovia

A Hidrovia Paraná-Paraguai poderia transformar-se no projeto
síntese da integração regional, beneficiando cinco países – Bolívia, Paraguai,
Uruguai, Argentina e Brasil. Se plenamente utilizada, poderia ampliar a
competitividade internacional do agronegócio e abriria perspectivas de
investimentos não só no setor agrícola e agroindustrial, mas também no de
minerais.

As dificuldades que cercam o aproveitamento pleno da
hidrovia são resultado da baixa prioridade atribuída pelo poder público ao
transporte fluvial, que tanto contribuiu para o rápido desenvolvimento de
vastas regiões nos Estados Unidos e na Europa. No momento em que se fala em
melhorar a competitividade do Brasil, o uso da malha fluvial poderia reduzir
entre 40% e 60% o custo da movimentação de carga para grãos e minérios.

O descaso crônico em relação a esse meio de transporte é
responsável pelas grandes dificuldades que hoje existem para o aproveitamento
das hidrovias: insuficiência de recursos, infraestrutura, conflitos na utilização
das águas (a construção de hidrelétricas sem eclusas), as questões ambientais,
jurídicas e burocráticas, a ausência de uma política de investimentos e
logística deficiente.

Governo e setor privado deveriam trabalhar juntos para
modificar essa situação e transformar a Paraná-Paraguai em fator significativo
para o escoamento da crescente produção agrícola e de atração de investimento
para a hidrovia e para o setor produtivo agroindustrial e mineral. O equívoco
de não pensar estrategicamente pode ser corrigido se o governo brasileiro criar
as condições políticas para atender às futuras necessidades de transporte e
escoamento desses produtos.

Uma das razões das dificuldades de enfrentar os problemas
que existem para um melhor aproveitamento da Hidrovia Paraná-Paraguai é o
tratamento que se dá ao assunto nos cinco países. A Comissão Intergovernamental
da Hidrovia, órgão responsável pelo acompanhamento dos assuntos técnicos da
hidrovia, ocupa o terceiro nível burocrático nos Ministérios dos Transportes e de
Relações Exteriores dos cinco países. Será necessário elevar o nível
administrativo desse assunto por meio de reuniões regulares de nível
ministerial para examinar os principiais temas de interesse dos cinco países.
Com isso estará sendo dado um passo importante para tratar os assuntos da
hidrovia com viés político, e não apenas técnico.

Estudos recentes do Conselho Sul-Americano de Infraestrutura
e Planejamento (Cosiplan), órgão da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), e
do Ministério do Planejamento do Brasil dispõem de dados atualizados sobre o
transporte de carga e sobre as obras para melhorar a navegabilidade e seus
custos, para corrigir o curso da hidrovia, para aprofundar o calado de seu
leito; e também sobre os impactos ambientais do pleno aproveitamento da
hidrovia, sobretudo no Pantanal.

A responsabilidade, até aqui, pelo atraso no aproveitamento
pleno da hidrovia deve ser repartida entre os cinco países, que tratam de forma
burocrática questões relevantes como investimentos, meio ambiente e o uso da
hidrovia. Como forma de superar essa dificuldade, chegou o momento de os cinco
países darem conjuntamente séria consideração ao estabelecimento de uma
autoridade supranacional para gerir a hidrovia, a exemplo do que ocorre na
Europa com o Danúbio e o Reno; e nos EUA, com o Mississippi. O governo
brasileiro, por intermédio do Itamaraty, já sinalizou sua disposição de avançar
nesse sentido.

Existindo vontade política, a criação dessa autoridade
retiraria das burocracias governamentais o tratamento do assunto e integraria
de forma natural o setor privado na discussão e na solução das dificuldades que
sempre existirão. Para tanto seria crucial obter, no Brasil, o respaldo
político dos governos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e da Frente
Parlamentar das Hidrovias da Câmara dos Deputados. Em nível técnico, seriam
importantes a abertura de amplo diálogo entre os governos estaduais, o
Ministério Público e o Judiciário para a busca de soluções alternativas para os
impasses jurídicos existentes; e o entendimento com o Ministério do Meio
Ambiente para o estabelecimento de referências para a análise do aproveitamento
de rios navegáveis no transporte de mercadorias.

A plena utilização da Hidrovia Paraná-Paraguai, se
efetivamente incluída entre as prioridades do governo, seria uma realização de
grande visibilidade e ressaltaria concretamente a prioridade que o Brasil
atribui à integração sul-americana, já que beneficiaria os cinco países por
onde passa. O setor privado e o governo deveriam voltar suas atenções para a
Hidrovia Paraná-Paraguai, que pode transformar-se em verdadeiro símbolo de
integração da América do Sul e ser um marco no processo de privatização
sul-americano.

Para tanto deveria ser dado tratamento político aos temas da
hidrovia por meio de reuniões ministeriais (Transportes e Relações Exteriores),
adicionalmente às reuniões técnicas da Comissão Interministerial da Hidrovia
(CIH) com o objetivo de:

-Ajustar, no que couber, inclusive tornando-o permanente, o
acordo de transporte fluvial pela Hidrovia Paraguai-Paraná (Porto de
Cáceres-Porto de Nueva Palmira) da Aladi (7/7/1992)

-Discutir e aprovar a criação
de uma autoridade supranacional que, a exemplo do que ocorre nos Rios Danúbio, Ródano e mesmo no Mississippi,
seria responsável pela operação de todos os aspectos relacionados com o transporte fluvial
na hidrovia (incluída a questão dos investimentos).

Num projeto desse porte, a vontade política é crucial para
poder emendar o Acordo de Transporte Fluvial, a exemplo do que foi feito na
Europa na convenção sobre regime de navegação no Danúbio, em Belgrado, em
18/8.1948.

*Presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp

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