E-mails sugerem fraude e propinas em licitação de aeroportos, diz PF

A Polícia Federal encontrou na residência do
ex-diretor-superintendente da Supervia – empresa controlada pela Odebrecht e
que opera serviços de trens urbanos na capital e em 11 municípios do Estado do
Rio – Carlos José Cunha, uma série de e-mails com pedidos de pagamentos e
planilhas referentes às obras dos aeroportos Santos Dumont, no Rio, e Santa
Genoveva, em Goiânia.

Ambas as licitações foram vencidas por consórcios formados
pela Odebrecht e chegaram a ser alvo de investigações no Tribunal de Contas da
União que acabaram sendo arquivadas. Com as novas pistas descobertas na casa de
Carlos Cunha, alvo de buscas na Operação Xepa, 26.ª fase da Lava Jato, a
Polícia Federal suspeita que, em relação às obras de ampliação de Santos
Dumont, a licitação estimada inicialmente em R$ 230 milhões teria sido
‘forjada’ para beneficiar a Odebrecht e as empresas de seu consórcio – Carioca
Engenharia e Construcap.

Com uma carreira de mais de 30 anos nas empresas do Grupo
Odebrecht, Carlos Cunha atuou nas equipes que participaram das obras dos
aeroportos do Galeão e de Santos Dumont e foi para a Supervia em 2011, deixando
o cargo após os avanços da Lava Jato.

Estes novos materiais vão de encontro a um dos focos atuais
da operação que são as obras de infraestrutura além da Petrobrás e, sobretudo,
as concessões de aeroportos. A força-tarefa tem negociado com os executivos da
Odebrecht e da OAS nas tratativas dos acordos de colaboração para que revelem
irregularidades nas concessões da Infraero.

Em relação ao Santos Dumont, o primeiro e-mail identificado
pela PF foi encaminhado por Carlos Cunha a Benedicto Junior, seu superior na
época e que foi preso pela Lava Jato neste ano. Este e-mail é de 22 de agosto
de 2003. Nele, o executivo ordena que ‘seja liberado em caráter emergencial’ um
pagamento de R$ 100 mil a ‘Barba Branca’, um dos apelidos usados para o
destinatário dos valores, ainda não identificado pela PF.

Como revelou a Lava Jato, o uso de apelidos e codinomes era
uma prática comum entre os executivos, inclusive da alta cúpula das empresas do
Grupo Odebrecht, para se referir a destinatários de pagamentos ilícitos e até
mesmo políticos.

“Venho administrando estes débitos a alguns dias, mas devido
ao momento importante no processo, é fundamental que quitemos isso até o dia 27
de agosto”, disse o executivo no e-mail, no qual lembra ainda que o
‘compromisso total’ é de R$ 200 mil.

O edital da licitação havia sido divulgado em junho daquele
ano e, um mês depois de os executivos conversarem sobre o acerto ao ‘Barba
Branca’, em 27 de setembro, foi divulgado o edital de pré-qualificação.

Em 17 de dezembro ocorreu o julgamento da pré-qualificação
e, em 22 de julho de 2004 foram divulgadas as notas técnicas dos consórcios pré-qualificados,
com o consórcio formado por Odebrecht, Construcap e Carioca com a melhor
pontuação. Em 28 de julho, então, é divulgado que o mesmo consórcio foi o
vencedor da licitação, com o preço de R$ 290 milhões, R$ 60 milhões acima do
estipulado inicialmente.

Chamou a atenção da Polícia Federal o fato de que, na
licitação divulgada em junho de 2003, na parte sobre a qualificação financeira
dos concorrentes, era informado apenas a fórmula que seria usada para atestar a
capacidade financeira dos licitantes. No edital de pré-qualificação de
setembro, após o suposto pagamento, foi informado que, em caso de consórcio,
era obrigatório que cada uma das empresas consorciadas comprovasse
individualmente todos os índices exigidos, “não sendo admitido somatório de
valores para cálculo dos índices, qualquer que seja o processo”, aponta a PF.

“Esses dados fazem associar que ou os dados requisitados no
edital podem ter sido colocados ‘sob medida’ ou que os índices que aparecem no
Mapa de Julgamento de Pré-Qualificação do consórcio, podem ter sido forjados”,
conclui o relatório da Polícia Federal.

Já em relação ao aeroporto de Goiânia, foram encontrados
e-mails com indicação de pagamentos para “Americano”, outro codinome ainda não
identificado pela Polícia Federal, nas mesmas mensagens em que os executivos
discutem a “programação financeira” também do aeroporto de Santos Dumont.
Iniciada em 2005 com o preço estimado em R$ 258 milhões, a obra foi concluída
em maio deste ano e custou R$ 467, 4 milhões.

Documentação. Ao todo, foram encontradas na residência de
Carlos Cunha 62 folhas, que incluem e-mails impressos, planilhas e até
manuscritos com valores ainda não totalmente esclarecidos. A maior parte dos
e-mails são referentes a remessas de dinheiro relacionada às obras de Santos
Dumont e há três referentes às obras do aeroporto de Goiânia.

As mensagens com os pedidos são encaminhadas sempre para
Isaias Ubiraci Santos, ex-funcionário da Odebrecht que segundo uma das
delatoras da empreiteira, a secretária Maria Lúcia Tavares, era um dos que
tinha “ingerência” para solicitar as requisições de pagamentos ao Setor de
Operações Estruturadas, nome oficial do “departamento da propina” da Odebrecht
revelado pela Lava Jato.

Além disso, há e-mails em que aparecem os nomes de outras empresas
do consórcio vencedor da licitação de Santos Dumont escritos ao lado das
indicações de pagamentos, sugerindo que todas as companhias colaboraram com os
acertos. Em todas as mensagens há ainda a indicação dos locais de entrega dos
pagamentos, que foram feitos em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Recife.

Junto com os e-mails foram encontradas ainda várias
planilhas registrando a contabilidade dos pagamentos a 12 apelidos, sendo
alguns referentes a um mesmo destinatário como ‘Barba Preta’ e ‘Barba Negra’, e
que somam R$ 7,6 milhões de 2003 a 2006.

Nenhuma das empresas que participou do consórcio de Santos
Dumont quis comentar o caso.

COM A PALAVRA, A INFRAERO:

“A direção da Infraero desconhece os fatos e detalhes
relacionados as investigações citadas. Entretanto, esclarece que está à
disposição para ampla apuração dos fatos e responsabilidades. ”

 

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