Gastos no longo prazo precisam ser o foco do ajuste, diz economista

A sustentabilidade da trajetória do endividamento público é
a maior preocupação com as contas fiscais do país. Por isso, por mais que o
mercado esteja “aflito”, o foco do ajuste tem que ser no controle das despesas
no longo prazo, avalia José Ronaldo Souza Júnior, coordenador do Grupo de
Estudos de Conjuntura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Para Souza, por mais que se queira apressar a melhora dos
resultados fiscais, é possível que o governo perca a oportunidade de passar
medidas importantes, como o limite para o crescimento do gasto público e a
reforma da Previdência, se centrar fogo em medidas emergenciais. “Em política,
sempre tende a haver negociação e acho que o importante é focar no longo prazo.
O governo tem equipe técnica com qualidade suficiente para entender o que pode
e o que não pode apresentar no curto prazo. ”

Souza também identifica uma área para a qual vem sendo dada
bastante importância na gestão do presidente interino Michel Temer, mas que tem
quase passado despercebida nas análises. Em sua avaliação, o governo apresentou
um conjunto importante de medidas de aumento da eficiência e de melhora da
regulação da economia, como os projetos que reformam a governança nas estatais
e nas agências reguladoras.

O ambiente regulatório, afirma, é chave para que os
investimentos em infraestrutura possam deslanchar a partir do ano que vem, seja
por meio de investimento público, concessão ou privatização. Sem esse outro
pilar, afirma, é pouco provável que a economia consiga ter forte retomada
depois de ocupar a capacidade ociosa deixada pela crise, calculada em 6,5% do
PIB.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: O Novo Regime Fiscal proposto pelo governo é
suficiente para recuperar as contas públicas?

José Ronaldo Souza Júnior: A proposta do teto do gasto é
fundamental porque a trajetória de dívida pública não poderia continuar como
estava. E é uma medida dura, mais do que parece a princípio, porque manter a
despesa fixa em termos reais é uma mudança significativa em relação ao que
estava sendo feito antes. E é necessária, porque mesmo com esse controle rígido
a dívida começa a cair só médio prazo. Mas tem que ser tomada em conjunto com
outras, das quais a fundamental é a Previdência. Valor: Por quê? Souza: Quando
se faz política de controle do gasto, se não controla a despesa, que está e vai
continuar a crescer muito, por força de lei, isso vai, na prática, limitar
ainda mais as demais despesas. E isso significaria, caso não houvesse mudança
na Previdência, uma situação difícil de contornar, até mesmo por causa de
outros gastos prioritários, como os sociais. É essencial para que exista verba
para outras áreas, para que a Previdência não asfixie as demais despesas, que
seja feita uma reforma.

Valor: O que é central na reforma da Previdência

Souza: Estabelecer uma idade mínima é o ponto de partida, as
pessoas se aposentam muito cedo no país. É uma regra presente em quase todo o
mundo, especialmente nos desenvolvidos, mas outras mudanças têm que ser feitas
para reduzir as diferenças tão grandes entre os sistemas. É preciso, por
exemplo, repensar a diferença entre [idade para aposentaria] para homem e
mulher e analisar a questão da Previdência rural. Só neste ano, o déficit será
de R$ 100 bilhões, mais da metade do déficit total. E o mais importante é ter
em mente a urgência de uma mudança mais significativa, que não tenha regra de
transição tão lenta. Se tivéssemos feito a reforma 20 anos atrás, a transição
poderia ser mais suave, mas não foi o caso.

Valor: O que seria uma transição rápida?

Souza: Não colocaria um número, mas não dá para fazer uma
reforma que só afete quem ainda não entrou o mercado de trabalho, porque lá na
frente vamos ter problemas para financiar esse sistema. Quão rápida, o governo
vai ter que discutir.

Valor: O debate tem se concentrado na reforma do regime
geral, mas o déficit do setor público é quase tão grande e atende menos
pessoas. É um segundo passo?

Souza: Regime público tem que ser discutido também. Para o
longo prazo, atenuou-se o problema com a reforma de 2011, não tem questão de
inviabilidade no longo prazo como é o caso do regime geral. Mas é sempre
possível e importante discutir as questões desse sistema de previdência. Será
que a idade mínima é ideal, por exemplo?

Valor: Nos seus cálculos, a dívida bruta só para de crescer
em 2022. O ajuste não é excessivamente gradual?

Souza: Sim. Obviamente, se fizer esforço maior agora,
consegue fazer essa dívida parar de crescer e cair mais rapidamente. Mas dada a
dificuldade de conter gastos públicos, a única alternativa, e não estou dizendo
se é boa ou ruim, para acelerar processo seria aumento temporário de impostos
ou receitas extraordinárias. Mas não dá para pensar em ajuste fiscal baseado só
na receita, porque a despesa continuará a crescer com força caso não haja
alteração das regras. E a maior preocupação é a sustentabilidade. Embora a
gente queira que o ajuste ande rapidamente, o foco principal tem de ser no
controle das despesas no longo prazo. Então, essencialmente, estamos falando de
duas propostas de emenda constitucional, do teto e da Previdência. Claro que há
mais a fazer, mas se aprovadas, vamos dar um passo muito importante. Agora, se
focar no ajuste de curto prazo, pode perder oportunidade de fazer a parte mais
importante, de longo prazo. Em política, sempre tende a haver negociação, e o
importante é focar no longo prazo. Acho que o governo tem equipe técnica com
qualidade suficiente para entender o que pode e o que não pode [ser
apresentado] no curto prazo.

Valor: O governo, caso o impeachment seja confirmado, tem
legitimidade para passar uma reforma como a da Previdência?

Souza: Eu não sou cientista político, mas o país tem que
estar consciente da situação em que se encontra. Algo tem que ser feito agora,
não dá para esperar mais. Então independentemente de quem seja governo, e de
quem esteja no Congresso, é importante que todos tenham consciência que
situação não vai ser resolvida sem alterações sérias, sem medidas duradouras,
que alterem a rota das contas públicas. Não temos a opção de não fazer nada.

Valor: A pequena melhora da atividade e o mercado mais
otimista podem tirar a sensação de urgência da classe política?

Souza: Acho que não, a melhora da confiança é condicional.
Ela acontece na esperança de mudança de política econômica. Se isso não se
concretizar, as expectativas vão piorar, então é importante que o governo
esteja ciente disso. Temos sinais de estabilização, mas não há recuperação
expressiva da economia. O cidadão comum ainda vai sentir a crise por algum
tempo, mesmo quando o PIB se recuperar, o que ainda nem aconteceu.

Valor: Quando o país vai sair da recessão?

Souza: O terceiro trimestre tende a ser de estabilidade da
atividade e o quarto trimestre ainda não está muito claro, mas não esperamos
recuperação expressiva.

Não podemos só pensar em ajuste fiscal e esquecer que a
economia tem outras necessidades urgentes”

No ano que vem, esperamos leve crescimento, que pode até ser
maior porque ociosidade é muito grande, embora ainda não seja o cenário mais
provável.

Valor: Isso depende de execução do plano fiscal?

Souza: Sim, mas além do fiscal, precisamos viabilizar
investimentos no país. Qualquer livro sobre crescimento mostra que países ficam
mais ricos quando têm boas regras, boas práticas, que garantam possibilidade de
obtenção de retorno em atividades produtivas. Temos necessidade enorme de
investimentos em infraestrutura e precisamos tirar isso do papel, para
viabilizar o crescimento de longo prazo. Tem uma agenda sendo proposta que tem
que ser valorizada. Em geral, é bom que as regras não mudem tanto, mas quando
há regras que atrapalham, é preciso aprimorar a regulação, para que, sem
penalizar os consumidores, os empresários consigam ter retorno e decidam
investir.

Valor: As concessões podem sair do papel no ano que vem?

Souza: Isso leva algum tempo, é viável que a gente já tenha
alguns resultados positivos no ano que vem. Embora, possivelmente, em 2018 isso
possa estar mais desenvolvido. E o investimento em infraestrutura é relevante.
Não é a mesma coisa comprar caminhão e construir rodovia. São investimentos que
têm retorno para a economia como um todo muito diferentes. Não podemos só
pensar em ajuste fiscal e esquecer que a economia tem necessidades urgentes e
podem até inviabilizar crescimento maior.

Valor: Como conciliar ajuste fiscal com política social ativa
em um país em que a desigualdade ainda é muito grande?

A situação não será resolvida sem alterações sérias, sem
medidas duradouras, que alterem a rota das contas públicas”

Souza: É um desafio enorme, mas é importante que a gente
passe a avaliar a eficiência das políticas públicas, com objetivo de levar a
sério a questão da escassez de recursos. Tem que avaliar o que é eficiente ou
não nas políticas sociais, que são fundamentais em um país como o nosso, que
tem problema de acesso a oportunidades de mudança de situação social. No caso
da desigualdade, por exemplo, vários estudos foram feitos mostrando que o
aumento do salário mínimo foi muito importante para reduzir desigualdade no
passado, mas já não tem o mesmo efeito. Por outro lado, o Bolsa Família ainda
tem efeito grande para redução de pobreza e desigualdade. Então é preciso
avaliar cada programa e ter, em alguns casos, políticas mais focalizadas.

Valor: O resultado dessa crise deve ser um aumento da
desigualdade ou a rede de proteção pode atenuar o custo social?

Souza: A rede de proteção pode minimizar. Vai minimizar
quanto mais nos preocuparmos com eficiência do gasto, de forma a calibrar
políticas públicas e sociais em um orçamento escasso, para focar onde tem mais
efetividade. Agora, como a maior parte de redução de desigualdade veio do
aumento da renda do trabalho, é possível que a gente tenha aumento da
desigualdade, por conta da piora do emprego, o que pode ser revertido quando a
economia se recuperar.

Valor: A queda do PIB potencial coloca um limite para a
recuperação da economia mais à frente?

Souza: Ainda temos ociosidade muito grande agora, então há
possibilidade de recuperação mais forte, temos 6,5% do PIB de ociosidade. Há um
espaço grande e há tempo para que o investimento e a produtividade se recuperem
para que haja retomada do crescimento potencial, mas para que isso aconteça a
eficiência da economia precisa melhorar, com retomada dos investimentos mais
produtivos. Isso porque a parte demográfica está caminhando em outra direção e
não vai mais ajudar. Então tem que fazer mais com menos pessoas.

 

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