Técnicos do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) apuraram
que as obras da Linha 4 do metrô (Ipanema-Barra), inaugurada no sábado, podem
ter causado prejuízo aos cofres públicos de R$ 2,3 bilhões. A conclusão consta
em relatório de auditoria governamental ordinária, feita entre julho e dezembro
do ano passado, que foi encaminhada esta semana para a conselheira do órgão,
Marianna Montebello, que será a relatora do processo, sem data ainda para ir a
julgamento em plenário. O documento, ao qual O GLOBO teve acesso, aponta
“ilegalidades graves” nos gastos.
No relatório, os auditores alertam para a gravidade dos
problemas encontrados, como “afronta ao dever de licitar, bem como
irregularidades que culminaram em superfaturamento e sobrepreços”. A análise
compreende despesas de R$ 8,4 bilhões, contratadas até dezembro de 2015. No
entanto, o valor total da Linha 4 — uma das obras mais caras da Olimpíada e que
contou com financiamento federal através do BNDES — ficou em R$ 9,7 bilhões.
COTAÇÕES ACIMA DO MERCADO
Os técnicos destacam as irregularidades por tipo de despesa.
Do total do prejuízo apurado, a auditoria estimou que R$ 1,193 bilhão foi gasto
com itens cotados a preços acima do praticado pelo mercado. Também foi
constatado que outros R$ 837,6 milhões se referem a serviços, cujas medições
estão, segundo os técnicos do TCE, em desconformidade com o contrato da Linha
4. O relatório também aponta que os responsáveis pelas obras lançavam nas
medições quantidades superiores para os trechos que estavam sendo efetivamente
executados, onerando os custos em R$ 296,6 milhões. Por fim, há ainda R$ 6,8
milhões de prejuízo relacionado a obras em “quantidade executada superior ao
efetivamente necessário”. Um dos exemplos de irregularidades citadas nos
documentos se refere ao transporte de resíduos para descarte em Senador Camará,
na Baixada Fluminense. Os valores lançados nas medições informavam que o
transporte era feito num caminhão de caçamba de cinco metros cúbicos. Porém, a
auditoria descobriu que as caçambas utilizadas eram de 17 metros cúbicos, o que
requereria menos viagens e reduziria os custos com o transporte.
A participação do estado na obra, revelou a auditoria,
praticamente dobrou desde que o contrato original foi firmado em 1998. Na
época, o governo tinha obrigação de arcar com 45% (R$ 392 milhões) dos gastos,
contra 55% da concessionária (R$ 487 milhões). Doze anos depois, o governo
passou a responder por 87%, e a iniciativa privada, por apenas 13%. Também
foram encontradas irregularidades nos quatro termos aditivos feitos pelo
estado, que extrapolaram em 25% o valor do contrato original, o que é vedado
pela Lei de Licitações.
O relatório da corte estadual cita o representante legal da
concessionária responsável pelas obras, a Rio-Barra, como um dos que deverão
dar explicações sobre as despesas. Também determina que sejam notificados o
ex-governador Sérgio Cabral Filho e o governador licenciado, Luiz Fernando
Pezão. São citados ainda os ex-secretários de Transportes, Julio Lopes, que
hoje é deputado federal pelo PP, e o deputado estadual Carlos Osorio, que
atualmente disputa a eleição para a prefeitura do Rio pelo PSDB, além de
Tatiana Vaz Carius, então diretora presidente da Companhia de Transporte sobre
Trilhos do estado (Riotrilhos) e do diretor da empresa, Heitor Lopes de Souza,
responsável por atestar as medições das obras.
Após tomar conhecimento da auditoria, o secretário geral de
Controle Externo do tribunal, Carlos Roberto de Freitas Leal, pediu o
afastamento dos fiscais da obra. Já o presidente do TCE, Jonas Lopes, informou
que o tribunal retoma os trabalhos no próximo dia 23 e que a conselheira
Marianna Montebello terá 60 dias para apresentar seu voto.
CONCESSIONÁRIA DIZ QUE TCE VALIDOU PREÇOS
Não é a primeira vez que o tribunal encontra irregularidades
em obras dos Jogos feitas pelo governo estadual. No início do mês passado, a
corte aprovou por unanimidade o bloqueio de R$ 198 milhões das contas do
governo em créditos vigentes das construtoras Odebrecht e Andrade Gutierrez,
relativos a gastos acima dos previstos para o Maracanã. Tanto a obra do
Maracanã quanto a da Linha 4 do metrô estão sob investigação da Operação Lava
Jato, do Ministério Público Federal (MPF). A Odebrecht lidera o consórcio Linha
4 Sul (trecho Ipanema-Gávea) e também participa do consórcio Rio Barra, no
sentido Barra-Gávea.
Em nota sobre o relatório do TCE, o Ministério Público
Especial, que atua junto ao tribunal, disse que a auditoria aponta
“irregularidades gravíssimas” que devem ser apuradas com rigor. O Rio Barra
esclarece que os preços praticados e a execução da obra foram validados por
auditorias, inclusive pelo TCE. A empresa disse que não recebeu ainda o
relatório e por isso não iria se manifestar. O estado alegou não ter sido
notificado, assim como o governador licenciado Luiz Fernando Pezão. O
ex-governador Sérgio Cabral e o deputado Julio Lopes também disseram que ainda
não tiveram ciência do relatório. Apenas Osorio não retornou as ligações.
HISTÓRIA DO TRAJETO COMEÇOU NA DÉCADA DE 1990
As obras da Linha 4 do metrô começaram em junho de 2010 e
devem custar quase R$ 9,7 bilhões. O valor representa quase o dobro dos R$ 5
bilhões previstos no orçamento inicial.
A concessão da Linha 4 foi feita em 1998, ainda no governo
de Marcello Alencar. O projeto do metrô para a Barra só foi levado adiante por
causa da Olimpíada. Mesmo assim, com o traçado modificado — em vez de seguir
pelo Jardim Botânico até Botafogo, a via tomou o rumo de Ipanema.
O governo, no entanto, utilizou o mesmo contrato sem que
fosse feita uma nova licitação, o que é alvo de questionamentos do Ministério
Público, que investiga o caso. E a estação Gávea deixou de ser olímpica e ficou
para 2018. Porém, ainda há uma incógnita sobre a fonte dos recursos para a
conclusão dos trabalhos, já que ainda faltam R$ 500 milhões.
O governo só conseguiu entregar o metrô no último sábado, a
tempo da Olimpíada, graças a um socorro de R$ 2,9 bilhões da União ao Rio, no
mês passado. Pelo cronograma dos Jogos, as obras da Linha 4 deveriam ter sido
concluídas em dezembro, iniciando-se uma fase de testes, para que a operação
comercial fosse deflagrada em 1º de junho. No entanto, atrasos na execução e no
repasse de verbas modificaram o cronograma.
Após os Jogos, a via operará para o público, inicialmente,
em horário reduzido (das 11h às 15h) e com baldeação para a Linha 1 na Estação
General Osório, em Ipanema.
A expectativa da operadora (Metrô Rio) é que, até o fim do
ano, a Linha 4 funcione em horário integral, com 15 trens e intervalos de
quatro minutos.
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