Com receita menor, empresas não conseguem pagar nem juros de dívida

Endividadas e com a receita em queda por causa da recessão
econômica, as empresas brasileiras têm perdido a capacidade de honrar seus
compromissos. Em quase metade (49%) das grandes companhias do País, a geração
de caixa não é suficiente nem para pagar os juros da dívida – quadro que
explica o aumento da inadimplência, das renegociações com credores e da
escalada dos pedidos de recuperação judicial.

Para economistas, a situação é tão grave quanto a dívida
pública nacional. O enfraquecimento financeiro das empresas representa risco de
aumento do desemprego e de atraso ainda maior na reativação da economia
nacional. Resultado de levantamento feito pelo Centro de Estudos do Instituto
Ibmec (Cemec) traduz essa preocupação.

Num grupo de 605 grandes empresas (349 fechadas e 256
abertas), a geração de caixa tem sido suficiente apenas para pagar 58% das
despesas financeiras. Ou seja, a prioridade das companhias hoje é equacionar a
dívida e evitar uma recuperação judicial ou falência. Nem de longe pensam em
novos investimentos, afirma o economista Carlos Rocca, diretor técnico do
Cemec, responsável pelo levantamento.

O cenário é o oposto daquele vivido até 2013, quando as
empresas viviam um ambiente de crédito farto e barato num mercado de consumo
crescente. “De repente, as expectativas desabaram e houve uma frustração das
empresas, que já estavam altamente endividadas”, diz Rocca. No trabalho feito
pelo economista, ele retrata essa trajetória de endividamento das companhias e
a rápida deterioração dos indicadores financeiros a partir de 2014.

O índice de alavancagem, por exemplo, cresceu de forma
exponencial. Em 2010, 36% do patrimônio das empresas de capital aberto (exceto
a Petrobrás) era dívida. Essa fatia subiu para 109% no primeiro semestre deste
ano. Além disso, a participação dos débitos em moeda estrangeira mais que
dobrou no período, para 60%.

O avanço desses índices, no entanto, não seria um grande
problema se o País não tivesse entrado em recessão e o consumo despencado.
Junta-se a isso o fato de o real ter tido uma forte desvalorização, o que
pressionou ainda mais a dívida das empresas. Entre 2010 e 2015, o endividamento
do conjunto de companhias levantado pelo Cemec teve um salto de 173%, para R$
1,9 trilhão.

“Houve uma mudança radical, estrutural, na governança
financeira das empresas”, diz o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia
(Ibre), José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito
Público (IDP). Segundo ele, um traço marcante e peculiar do Brasil era ser um
país com um baixo agregado de dívida em toda economia, sendo que boa parte dela
era muito concentrada no governo, num padrão incomum em outras economias,
inclusive as emergentes.

Nesse novo cenário, com maior endividamento, as empresas
passaram a conviver com mais um problema: a rigidez das instituições
financeiras para emprestar dinheiro e o encarecimento das operações. “Os bancos
estão cada vez mais seletivos na concessão de crédito e exigindo garantias mais
robustas em quantidade e qualidade para cobrir o risco”, afirma o sócio da área
de direito bancário e reestruturação da Demarest Advogados, Fabio Braga.

Com caixa debilitado, custo mais caro e sem crédito, as
empresas estão ficando inadimplentes. Dados do Banco Central mostram que a taxa
de atraso no pagamento de algumas linhas aumentou do ano passado para cá. Nos
empréstimos de capital de giro/rotativo, por exemplo, subiu de 7,7% para 10,5%.

“Quem não conseguir renegociar suas dívidas vai partir para
a recuperação judicial ou falência”, afirma Artur Lopes, da consultoria Artur
Lopes & Associados, especializada em gestão de crise. Até agosto, o número
de pedidos de recuperação judicial havia aumentado 60% em relação a igual
período do ano passado, de 766 para 1.235.

Por ora, não há expectativa de melhora, afirma Ricardo
Carvalho, diretor sênior de empresas da agência de classificação de risco Fitch
Ratings. “A expectativa é que o endividamento continue crescente, pressionado
pelo alto custo da dívida.” A agência já revisou uma dezena de ratings de
empresas nos últimos meses. Na lista de rebaixamentos estão Triunfo, que tem
quase R$ 300 milhões a vencer nos próximos meses; os aeroportos de Viracopos e
Guarulhos; e a Odebrecht Realizações imobiliárias. “Enquanto a geração de caixa
não se recuperar, as empresas não conseguirão reduzir o endividamento.”

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