No último dia 13 de setembro, o governo Temer anunciou o seu
programa para concessões na área de infraestrutura, abrangendo rodovias,
ferrovias, aeroportos, terminais portuários, além da privatização de companhias
estaduais de saneamento. O êxito do programa – batizado de “Crescer”
– será crucial na trajetória da economia brasileira dos próximos anos, em
particular pelos seus efeitos potencialmente positivos sobre a produtividade e
a competitividade. Contudo, os desafios não devem ser minimizados,
principalmente tendo em conta os problemas enfrentados nos programas de
concessão realizados ou tentados no passado recente.
O histórico de concessões no Brasil mostra um saldo
positivo, apesar dos vários percalços encontrados no caminho. As melhores
rodovias do país são as concedidas ao setor privado, assim como os aeroportos
objeto de concessão, cuja melhora de qualidade nos anos recentes é sensível. No
setor ferroviário, muito embora o investimento na expansão da malha tenha sido
claramente insuficiente, observou-se um nível razoável de investimento no
material rodante e na segurança. Na área portuária, a participação privada
também ajudou a mitigar os estrangulamentos, ainda que as carências continuem
grandes.
Porém, a qualidade da infraestrutura no Brasil ainda deixa
muito a desejar. Há carências óbvias no transporte ferroviário e aquaviário,
para os quais não se conseguiu construir um marco regulatório que atraísse os
capitais privados necessários para proporcionar um salto de qualidade que
realmente fizesse a diferença. Um exemplo acabado disso é a dificuldade de se
operar a ferrovia Norte-Sul que, embora já terminada, não está sendo utilizada
no seu trecho entre Goiás e o Tocantins.
Além disso, algumas das concessões realizadas mais
recentemente, no governo de Dilma Roussef, enfrentam sérios problemas. As
concessionárias dos aeroportos estão com dificuldades para honrar o pagamento
das outorgas – os atrasos já montam cerca de R$ 2,5 bilhões – e o governo
cogita até relicitar algumas das concessões, como é o caso do Galeão. Nas
rodovias, há também problemas, como nas concessões da BR-153, em Goiás, e 163,
em Mato Grosso.
O maior responsável pelos problemas das concessões é, sem
dúvida, o defeituoso processo licitatório, no qual o governo petista cometeu
quase todos os erros possíveis. De início, houve a tentativa canhestra de
simultaneamente limitar a remuneração do concessionário, fixar um volume mínimo
de investimentos e forçar a prática de tarifas “módicas” para os
usuários.
Tendo fracasso esse intento, o governo relaxou algumas
dessas condições, mas os contratos de concessão, em sua maioria, nasceram com
sérios desequilíbrios econômico-financeiros e com riscos excessivos para o seu
cumprimento. Nessas condições, a adjudicação das concessões se deu na presença
de incentivos errados para participação do setor privado. A recessão econômica
agravou ainda mais tais desequilíbrios, enquanto que a Operação Lava-Jato
atingiu de frente alguns dos grupos econômicos integrantes dos consórcios
vencedores.
Ademais, as concessões tornaram-se crescentemente
dependentes do dinheiro subsidiado do BNDES para alcançar seu equilíbrio
financeiro, o que desencorajou a busca de financiamento privado, exceto na
modalidade de “bridge loans”. Com a crise fiscal, tal modelo se
esgotou, haja vista a impossibilidade de o Tesouro continuar provendo o banco
de recursos subsidiados para fazer frente à demanda dos concessionários.
No programa recentemente anunciado, o governo buscou atacar
algumas das falhas mais óbvias dos programas da era petista. Despido da
megalomania característica dos PACs de Lula e Dilma, o “Crescer”
abrange projetos já incluídos em listas de intenções anteriores, além da venda
de ativos estatais no setor elétrico e de empresas de saneamento.
As novidades maiores são principalmente a maior disposição
do governo ao diálogo com o setor privado, o maior lapso de tempo concedido aos
interessados para analisarem os editais de concessão ou alienação e a mudança
da estrutura de financiamento prevista, com menor dependência de recursos de
bancos públicos. Prevê-se que os projetos recebam 40% de financiamento do BNDES
a juros subsidiados e 40% de recursos provenientes da emissão de debêntures de
infraestrutura, que poderão ser adquiridas pelos bancos públicos, a taxas de
mercado, caso não haja possibilidade de colocação em mercado.
Sem dúvida, trata-se de um bom recomeço, mas há ainda muitas
dúvidas e lacunas que necessitam ser endereçadas para que as concessões ocorram
de maneira bem-sucedida. De um lado, é necessário dar tratamento adequado às
situações problemáticas das concessões anteriores, com vista a dar maior
segurança jurídica aos interessados nas novas licitações. De outro, há que se
definir melhor os detalhes relativos à estrutura de financiamento dos projetos,
assim como das garantias que deverão ser aportadas aos financiadores. A questão
do “hedge” cambial para os recursos captados no exterior também é
ponto importante da agenda de definições.
Gustavo Loyola é doutor em Economia pela EPGE/FGV,
ex-presidente do BC do Brasil e sócio-diretor das Tendências Consultoria
Integrada, em São Paulo.
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