A disputa judicial entre o governo e a ALL Malha Paulista,
que está em negociações avançadas para renovar por mais 30 anos seu contrato de
concessão, já chega a mais de R$ 1 bilhão. De um lado, a União ficou sem
receber os valores referentes às parcelas do trecho ferroviário administrado
pela empresa. De outro lado, a concessionária alega que está pagando despesas
que deveriam estar sendo quitadas pelo governo.
A concessão do trecho que liga a divisa de São Paulo com
Mato Grosso do Sul ao porto de Santos foi arrematada em 1998. A ALL – hoje Rumo
– acabou assumindo passivos trabalhistas da extinta Rede Ferroviária Federal
(RFFSA). Sem saber se teria que arcar efetivamente com os custos desses processos,
a concessionária conseguiu nos tribunais o direito de depositar em juízo os
valores correspondentes ao arrendamento.
De acordo com a Agência Nacional de Transportes Terrestres
(ANTT), os depósitos judiciais referentes ao arrendamento da Malha Paulista somam
atualmente R$ 1,028 bilhão – em valores corrigidos pela inflação. Os
“pagamentos” estão sendo feitos por meio da apresentação de
seguro-garantia. Situação parecida acontece no contrato da Malha Oeste, entre
os municípios de Corumbá (MS) e Bauru (SP), onde a ALL depositou R$ 683 milhões
em juízo.
O controle acionário da ALL foi alterado em 2014, após sua
fusão com a Rumo, e hoje é controlada pelo grupo Cosan. A empresa garante que
houve uma mudança de postura desde a troca de comando, com menos recursos judiciais
para postergar obrigações financeiras com o poder concedente.
Nos cálculos da Rumo, esse encontro de contas ainda tem
saldo favorável à empresa, que já teria dispendido mais recursos na quitação de
passivos da RFFSA do que devia ao governo como valor de arrendamento.
“Pelo menos até 2018, nas nossas estimativas, ainda teremos dinheiro [a
receber] pelas indenizações trabalhistas que foram feitas no passado e que
continuam sendo feitas, diga-se de passagem”, afirmou o presidente da
Rumo, Julio Fontana.
A ALL Malha Paulista também tem levado para os tribunais boa
parte das multas recebidas da agência por descumprimento de normas contratuais.
Desde sua criação, em 2001, a ANTT contabiliza 147 processos sancionatórios
contra a ferrovia, mas a grande maioria sem qualquer efeito prático para punir
as irregularidades verificadas pela autarquia responsável por fiscalizar o
setor.
Pelo menos 78 processos foram suspensos pela Justiça, o que
fez o governo recolher menos de 7% das penalidades financeiras aplicadas. Até
hoje, foram arrecadados R$ 893 mil com as multas à Malha Paulista, enquanto que
os processos suspensos judicialmente acumulam R$ 14,5 milhões. De acordo com a
ANTT, outras 23 ações estão em fase de instrução e ainda sem uma decisão final
no âmbito administrativo.
Em uma terceira frente de judicialização, as concessionárias
do grupo ALL não aplicam as tarifas revisadas pela agência em 2012, que
resultaram em uma queda de 25% do teto tarifário definido para balizar os
contratos de frete assinados com seus clientes. Uma liminar em vigência impede
a ANTT de aplicar os novos valores. O processo tramita no Tribunal Regional
Federal da 4ª Região (TRF-4).
Um dos argumentos rotineiramente usados pela Rumo nas
discussões é que a empresa carrega apenas cargas de terceiros em seus trens, ao
contrário das demais concessionárias, que transportam mercadorias de seus
próprios acionistas – e, portanto, são menos sensíveis ao valor das tarifas.
Todas as pendências administrativas e judiciais da ALL Malha
Paulista serão colocadas em discussão pela ANTT via uma audiência pública que
deve ser instalada até o fim deste mês. O objetivo da agência é abrir um debate
transparente sobre o assunto antes de levar adiante a renovação do contrato,
que acaba em 2028. Uma comissão interna de servidores foi criada no fim de 2015
para tratar das prorrogações de ferrovias anunciadas no governo da
ex-presidente Dilma Rousseff.
De todas as concessionárias, a ALL Malha Paulista tem o
processo mais adiantado. Em troca de mais 30 anos de contrato, os novos
controladores se comprometem a elevar em 150% a capacidade total de transporte
da ferrovia – de 30 milhões para 75 milhões de toneladas/ano. O tempo
necessário para percorrer os 820 km que separam a divisa de Mato Grosso do Sul
com São Paulo até o porto de Santos cairá das atuais 59 horas para cerca de 46
horas.
Essas intervenções vão sair do papel até 2024, segundo o
caderno de obrigações protocolado pelo grupo na agência reguladora.
Em fase final de elaboração, a medida provisória que trata
de concessões com problemas financeiros também disciplina as renovações de
contratos na área de infraestrutura. No caso das ferrovias, um dispositivo que
constava de versão preliminar da MP assustou o mercado. O governo exigiria,
antes da prorrogação das concessões, um inventário de todos os bens móveis e
imóveis das empresas. Estima-se em pelo menos um ano o tempo necessário para
fazer todo esse levantamento e o dispositivo foi interpretado como um freio nos
planos da ALL Malha Paulista, que encabeça os pedidos de extensão contratual.
A última versão da MP não faz mais essa exigência, o que é
benéfico para as operadoras de ferrovias e, em especial, para o grupo
controlado pela Cosan.
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