Como diretor de informações técnicas, o inglês Malcolm
Taylor vem, nos últimos quatro anos, ajudando a manter no prazo, e no
orçamento, uma das maiores obras de engenharia da atualidade: a construção de
uma nova linha do metrô de Londres, com 120 quilômetros de extensão e 40
estações.
Batizada de Crossrail, a linha tem trechos ao ar livre e
túneis que passam por entre outras linhas já existentes do “Tube”,
como é conhecido o metrô inglês. A construção é cheia de superlativos – o custo
é de US$ 20 bilhões, são 10 mil funcionários, 11 anos entre o início do
planejamento e a entrega final da obra, em 2020. Mas também exige uma precisão
milimétrica. Um dos túneis passa a apenas 50 centímetros de uma escada rolante
e a 83 centímetros do túnel de uma das estações existentes.
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Para manter tudo em ordem, o consórcio que administra as
obras lançou mão de um conceito ainda pouco difundido e que funciona como uma
mistura dos softwares de gestão empresarial comum nas áreas administrativas das
companhias, os ERPs, com as ferramentas de desenho usados por engenheiros e
arquitetos – sistemas de desenho assistido por computador, ou CAD, na sigla em
inglês. Trata-se da tecnologia de modelagem de informação da construção, ou
simplesmente BIM (sigla em inglês para “building information model”).
Os projetos feitos dentro do conceito de BIM não representam
apenas meros desenhos criados para se ter uma ideia do que se pretende fazer. O
que é feito nesse modelo, representa o que de fato será feito. Isso significa
que ao se desenhar uma parede, por exemplo, o sistema vai calcular a quantidade
de material necessário para construí-la, fará o orçamento, e até montará um
cronograma de sua execução tendo em visto o restante do projeto. Na construção
da Crossrail, foram feitas até simulações do impacto no trânsito das obras de
construção das estações.
Segundo Taylor, o sistema também está sendo calibrado para
ajudar na administração da linha após as obras. Composto por mais de 300 mil
peças, o modelo “conhece” todos os materiais usados na obra, bem como
suas características – a vida útil de uma lâmpada, por exemplo -, permitindo
trabalhar a manutenção de forma preventiva. “É de 25% a 30% mais barato
fazer a manutenção dessa forma”, conta Taylor.
Com tantos recursos, não há risco de perda de emprego de
engenheiros. “Talvez tire o trabalho do estagiário”, brinca Pedro
Soethe, especialista técnico na área de infraestrutura da Autodesk. “Mas o
engenheiro ganha tempo para trabalhar em questões mais complexas e não tão
operacionais. Isso potencializa o trabalho dele”, completa.
Segundo a empresa de pesquisa Allied Market, o mercado
global de sistemas BIM chegará a US$ 11,7 bilhões em 2022 – um crescimento
acumulado total de 21,6% em um período de seis anos.
No Brasil, o conceito começou a ser difundido há cerca de
dois anos, mas ganhou destaque após a deflagração da operação Lava-Jato e de
seu efeito sobre as empreiteiras e o mercado de construção. Segundo Andres
Fatoreto, gerente e contas corporativas da inglesa Bentley Systems, que
forneceu os softwares à Crossrail, quem segue no mercado está em busca de mais
eficiência. “Não dá mais para repassar os custos para os clientes”,
diz.
Marcus Granadeiro, proprietário da empresa de engenharia
Construtivo.com e sócio-diretor da ConstruBIM, observa que uma das grandes
dificuldades nesse novo modelo é que não se trata apenas de comprar o sistema e
fazer um treinamento para aprender a usá-lo. É preciso aprender a pensar tudo
de uma forma diferente. Há também a questão de como cobrar. “No BIM você
não entrega uma folha de projeto e cobra por ela. Existe muita dúvida sobre
como cobrar”, diz.
É no setor público que o uso do conceito tem avançado de
forma mais rápida. Banco do Brasil, Exército, Receita Federal e Departamento
Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) são alguns dos órgãos públicos
que já anunciaram projetos que exigem o uso de ferramentas e conceitos de BIM.
Em Brasília, há, inclusive, uma frente parlamentar que propõe uma alteração na
Lei das Licitações (8666) para incluir o BIM como requisito nas concorrências
públicas como forma de dar mais qualidade e previsibilidade às obras.
“Não é algo tão distante, mas é preciso criar
legislação que pense dessa forma, como foi feito no Reino Unido e no Chile. A
academia também precisa mudar. Hoje temos poucos professores e instituições
preparando profissionais para atuar com o BIM”, avalia Rafael Fernandes
Teixeira, coordenador de projetos especiais na Secretaria de Planejamento do
Estado de Santa Catarina e responsável pela implementação da Rede BIM Gov Sul.
O movimento foi criado pelos governos de Santa Catarina e do Paraná para
estudar e compartilhar melhores práticas de BIM. Segundo Teixeira, conversas
com o governo do Rio Grande do Sul estão em curso para incluí-lo no movimento.
Para Taylor, tudo se resume ao planejamento. O projeto do
Crossrail foi elaborado três anos antes do início das obras, entre 2009 e 2012.
“Se você vai direto para a fase de obras. É difícil funcionar. Mas se você
planeja bem, não tem como dar errado”, diz.
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