O governo pretende enviar um projeto de lei ao Congresso
Nacional, nas próximas semanas, que mexe em um ponto sensível para o avanço das
obras de infraestrutura: a desapropriação de terras e imóveis por utilidade
pública. A promessa é dar mais agilidade à execução de projetos como rodovias,
ferrovias, estações de metrô e linhas de transmissão.
Um levantamento oficial indica que 60% das ações judiciais
em torno de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) são
questionamentos sobre processos de desapropriação. As autoridades querem
reduzir o potencial de litígios, que atrasam e encarecem os empreendimentos.
Em reta final de elaboração, o projeto tenta facilitar o
acesso do poder público aos terrenos e imóveis. Quando a pessoa ou empresa
expropriada levar o caso aos tribunais, o juiz responsável terá 30 dias úteis
para dizer se concorda ou não com o valor da indenização proposta. Se ele não
se pronunciar, tem mais dez dias úteis para conceder a emissão provisória de
posse. A fixação de um prazo – hoje inexistente – busca impedir que esses
processos se arrastem indefinidamente. Mesmo em desacordo, quem for expropriado
poderá retirar 80% do valor proposto, enquanto o litígio não tem uma solução
definitiva.
“Elimina-se assim um grande fator de incerteza”,
diz o secretário-executivo adjunto do Ministério do Planejamento, Esteves
Colnago Júnior. Outra novidade da proposta é estipular que a indenização deve
considerar o valor do bem à época do ajuizamento da ação. Hoje é comum usar a
precificação da data de perícia judicial, que pode ocorrer anos depois do
início da briga judicial. Não raramente, conforme lembra Colnago, o valor do
bem muda quando se sabe que um projeto de infraestrutura será erguido naquele
local. Quando mais se adia o processo, maior o valor pedido pelo proprietário.
Coordenado pelo Planejamento, o texto deverá ser encaminhado
à Câmara dos Deputados com a assinatura de outros três ministérios: Casa Civil,
Justiça e Cidades. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a Agência
Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e o Departamento Nacional de
Infraestrutura de Transportes (Dnit) tiveram participação ativa nas discussões.
Sugestões apresentadas pela Associação Brasileira da Infraestrutura e
Indústrias de Base (Abdib) e pelo Metrô de São Paulo foram incorporadas no
projeto.
A proposta do governo tem foco específico nas
desapropriações por utilidade pública. Outras expropriações – por interesse
social, para fins de reforma agrária ou razões urbanísticas – não são tratadas
pelo texto. Em dezembro de 2015, parte dessas questões foi tratada por medida
provisória editada pela ex-presidente Dilma Rousseff, mas a MP 700 andou em
paralelo ao processo de impeachment e “caducou” sem ter sido votada.
Desta vez, a opção por um projeto de lei ocorre por dois
motivos: medidas provisórias não podem ser reeditadas na mesma legislatura e
nem tratar de questões processuais. “O novo texto tem robustez e
abrangência bem maiores do que a MP 700”, diz Colnago.
Para o presidente da Abdib, Venilton Tadini, a proposta é
fundamental para dar mais segurança jurídica às concessões. “Um dos
grandes riscos não gerenciáveis nos projetos de infraestrutura são as
desapropriações”, afirma o executivo, que cita ainda as dificuldades no
licenciamento ambiental como fator de imprevisibilidade. Ele elogia a
interlocução com o governo na costura do projeto. “A MP 700 já tinha uma
estrutura de texto bastante avançada, mas o conteúdo melhorou com as discussões
mais recentes.”
Além de dar celeridade às desapropriações que viram alvo de
processos judiciais, o projeto toca em uma questão fundamental para agilizar
obras em rodovias e ferrovias concedidas à iniciativa privada. De acordo com o
texto, a ANTT ganhará poderes para fazer declarações de utilidade pública, que
iniciam a desapropriação dos terrenos e imóveis. Hoje essa é uma prerrogativa
do chefe do Poder Executivo, ou seja, do presidente da República. Só uma
exceção é admitida atualmente: em obras tocadas pelo Dnit, com recursos
orçamentários, a autarquia pode emitir essa declaração.
Com a mudança, o governo espera reduzir a lentidão
administrativa que toma conta dos processos. À espera de assinatura
presidencial, o primeiro passo para a desapropriação necessária nas margens de
rodovias às vezes consome meses de idas e vindas, entre um e outro gabinete da
máquina burocrática em Brasília.
Pelo texto do governo, amplia-se o rol de agentes
habilitados a receber delegação do poder público para negociar indenizações aos
expropriados. Hoje a delegação só pode ser dada para concessionárias de
serviços públicos. O projeto estende essa possibilidade para arrendatários
(figura jurídica dos operadores de terminais em portos organizados) e
empreiteiras contratadas pelo RDC integrado – sistema de contratação no qual a
construtora não apenas executa a obra em si, mas desenvolve os projetos de
engenharia.
A proposta traz outras inovações, como a dispensa de
autorização legislativa para que a União desaproprie bem de Estados, do
Distrito Federal ou de municípios. Atualmente, mesmo que haja acordo entre
expropriante e expropriado em torno de terras ou imóveis públicos, é preciso
ter aprovação das assembleias legislativas ou das câmaras de vereadoras,
conforme o caso. A mesma dispensa valerá para Estados que desapropriem bens
municipais.
“Na prática, estamos criando uma via rápida para as
desapropriações”, garante Esteves Colnago. O secretário destaca ainda um
aspecto social da proposta, que abre caminho para “medidas
compensatórias” quando o imóvel ou terreno estiver ocupado por assentamentos
ou invasões. Nesse caso, há previsão de realocar as famílias em unidade
habitacional ou compensação financeira equivalente.
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