Sob gestão de Maria Silvia, mudanças aceleradas ditam ritmo no BNDES

Reconhecida como uma executiva exigente e focada em
resultados, a economista Maria Silvia Bastos Marques, presidente do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), vem sacudindo a
instituição desde que tomou posse, em junho. Maria Silvia assumiu com a missão
de encolher o gigante que o BNDES se tornou nos governos do PT, mas vem
enfrentando resistências, à medida que acelera o ritmo das mudanças.

A devolução antecipada de R$ 100 bilhões à União, anunciada
no fim de novembro, e o avanço nos estudos para atrelar a TJLP (taxa de juros
subsidiada do BNDES) à cotação de títulos públicos, revelado pelo Estado no
último dia 23, deram a medida da pressa da executiva. Em setembro, Maria Silvia
disse ao Estado que o banco precisava correr para entregar resultados: “Temos
dois anos para fazer isso. É um tempo muito curto. ”

As mudanças de Maria Silvia não ficam apenas na questão
financeira. A executiva também reorganizou a gestão: duas diretorias (de
Controladoria e Jurídica) foram criadas, duas áreas foram extintas, oito foram
fundidas em quatro e uma foi criada. O número de superintendentes (executivos
que comandam as áreas) passou de 24 para 19, e eles entraram numa dança das
cadeiras.

A reorganização também foi física. Os superintendentes
deixaram de ter mesas com divisórias de vidro e os próprios diretores perderam
suas salas. Agora, estão num único salão e um andar inteiro foi liberado. Com
isso, a nova diretoria abandonou a construção de um prédio, orçado em R$ 490
milhões, e transferiu para a sede empregados que ocupavam nove andares num
edifício comercial.

Tudo isso gerou reclamações. Três empregados do banco, de
diferentes áreas, disseram ao Estado, em anonimato, que mexer no organograma e
mudar funcionários de andar gera pouco resultado. “O banco está parado”, disse
um funcionário.

Crédito. Na última quinta-feira, o anúncio de uma nova
política para a concessão de crédito marcou as diferenças em relação à gestão
do economista Luciano Coutinho, o mais longevo presidente da história do BNDES.
O objetivo da nova política é dar incentivos “horizontais”, com regras que
valem para todos os setores.

A gestão de Coutinho foi marcada por polêmicas, como o custo
dos aportes bilionários do Tesouro Nacional, o apoio à consolidação e
internacionalização de empresas (a política de “campeões nacionais”) e o
financiamento às obras das empreiteiras no exterior. Uma das críticas é que os
juros subsidiados foram concedidos a setores específicos, escolhidos pelo
governo.

Maria Silvia disse, ao anunciar a nova política, que a
lógica de segmentar as condições de crédito por setores era tradicional no
banco, mas a visão setorial foi aprofundada com o crescimento dos anos
recentes.

“Como o banco passou a atuar mais extensivamente, essa coisa
foi se multiplicando e virou um negócio bastante confuso”, alfinetou. A
executiva assumiu o cargo com o desafio de reduzir o BNDES. Turbinado por R$
440,8 bilhões em aportes do Tesouro, o banco teve o crescimento como marca na
gestão de Coutinho. O ativo do banco saltou 360% de 2007 a 2015 – em junho de
2016, ficou em R$ 935 bilhões.

Para Armando Castelar, pesquisador do Instituto Brasileiro
de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), nos governos do PT, o BNDES
se tornou o “posto Ipiranga da economia”, na tentativa de sustentar a demanda
por investimentos. Agora, “existe uma preocupação de estar onde deve”,
racionalizando o uso dos subsídios. “Reduzir (o banco) diminui a necessidade de
subsídio fiscal. O BNDES não gera dinheiro. Quando ele coloca juros baixos,
quem arca com o custo é o contribuinte”, disse Castelar.

Mas, para Thiago Mitidieri, presidente da AFBNDES,
associação dos funcionários do banco, falta planejamento estratégico aos
governos. Com isso, o BNDES muda “a reboque” dos ciclos da economia e da
política. Segundo ele, quando a economia crescia, o BNDES concedeu mais
empréstimos a empresas. Em seguida, assumiu papel “anticíclico” na crise de
2008. Hoje, diminui na esteira da recessão. “É preciso ter projeto de País”,
disse.

Resistências internas. As resistências internas às mudanças
que Maria Silvia Bastos Marques vem fazendo no BNDES vão além da reorganização
institucional. Para alguns funcionários insatisfeitos, há uma tentativa de
capitalizar mudanças que vinham sendo feitas antes, após o ex-ministro da
Fazenda Joaquim Levy, no segundo governo da ex-presidente Dilma Rousseff,
determinar a redução do banco. Empregados ouvidos pelo Estado definiram alguns
anúncios como “marqueteiros”.

Um exemplo seria a suspensão de 25 empréstimos, no valor de
US$ 7 bilhões, para obras no exterior de empreiteiras envolvidas na Operação
Lava Jato, feita em maio, antes da chegada da nova diretoria, mas informada
apenas em outubro.

O banco reconheceu que manteve decisão anterior, mas
ressaltou que mudará o modelo daqui para a frente, levando em conta a
“efetividade” das operações e não só o conteúdo nacional – uma “mudança de
paradigma”. Na última terça-feira, o BNDES anunciou a retomada de um dos
financiamentos, da Queiroz Galvão, em Honduras.

Outra medida antiga seria a divulgação de informações sobre
as operações. O banco vem ampliando a quantidade de dados na internet pelo
menos desde 2015. Em junho daquele ano, liberou dados sobre empréstimos no
exterior, incluindo juros e garantias, após decisão do Supremo Tribunal Federal
(STF) sobre o sigilo dessas operações. Na nova gestão, o BNDES mudou o desenho
do site. O banco reconhece que parte das informações já estava disponível, mas
diz que facilitou o acesso. No último dia 26, foram inseridos dados sobre
participações acionárias.

Outra ação anunciada pelo BNDES que dá continuidade a
medidas anteriores foi o refinanciamento de dívidas do Programa de Sustentação dos
Investimentos (PSI). A gestão anterior já havia anunciado duas chamadas para
refinanciamento. Em dezembro, a nova diretoria ampliou a renegociação para
empresas inadimplentes, com foco em firmas menores, recebendo elogios da
Abimaq, associação das indústrias de máquinas e equipamentos.

Controles. Empregados do BNDES também relataram mal-estar
com ações em relação a controles internos. Isso teria ocorrido no caso dos
empréstimos para empreiteiras no exterior e para a Usina São Fernando, do
pecuarista José Carlos Bumlai – próximo ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, ele foi condenado na Lava Jato. Após a Justiça mandar bloquear, em
agosto, bens de técnicos do BNDES envolvidos na análise de empréstimos à São
Fernando, a nova diretoria abriu uma investigação interna. Segundo apurou a
reportagem, nos corredores do banco ficou uma impressão de que faltou empenho
na defesa dos empregados.

De acordo com a assessoria de imprensa do BNDES, uma norma
já existente permite o ressarcimento de custos com advogados pelos empregados.
Além disso, no caso São Fernando, “a auditoria interna concluiu que a operação
foi contratada de acordo com as definições operacionais do banco, seguindo, de
forma regular, todos os procedimentos”.

O BNDES disse que lida “naturalmente” com as resistências
internas às mudanças que vêm sendo promovidas. “Eventuais manifestações de
opinião divergente não significam quaisquer críticas. A Diretoria considera a
comunicação interna uma prioridade”, diz a assessoria de imprensa, em nota.

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