As próximas concessões de rodovias federais terão uma nova regra contra lances “irresponsáveis” de empresas e consórcios que entrarem nas disputas. O objetivo do governo é desestimular a estratégia de “aventureiros” que derrubam o valor das tarifas de pedágio para vencer os leilões e depois enfrentam dificuldades no cumprimento das obrigações.
Esse mecanismo já foi incluído na minuta de edital do corredor de 467 quilômetros que corta o Rio Grande do Sul, encabeçado pela BR-101 e pela BR-386. Trata-se do primeiro edital de rodovias colocado em audiência pública no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), lançado pelo presidente Michel Temer há pouco mais de quatro meses.
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) propôs uma tarifa-teto de R$ 11,72 a cada 100 quilômetros. O método de disputa, como tem ocorrido tradicionalmente, prevê vitória a quem oferecer o menor lance. No entanto, contra propostas excessivamente ousadas e que possam comprometer a viabilidade da concessão, o governo introduziu uma cláusula inovadora: quanto maior o deságio oferecido, maior também a necessidade de integralização de capital na sociedade de propósito específico (SPE) criada pelo grupo vencedor para administrar o corredor rodoviário.
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Na prática, o recado transmitido é que propostas com deságio são obviamente bem-vindas, mas sem os supostos exageros dos leilões de 2013. A última rodada de licitações feitas pela ex-presidente Dilma Rousseff teve vários trechos, como a BR-163 (MT) e a BR-040 (Brasília-Juiz de Fora), arrematados por empresas que ofereceram descontos acima de 50% nas tarifas máximas de pedágio.
O que parecia inicialmente ser uma boa notícia para os usuários transformou-se em problema. As concessionárias ficaram com menos receitas do que o projetado e esbarram em obstáculos para conseguir financiamento de longo prazo. Uma medida provisória em tramitação no Congresso Nacional, a MP 752, abriu caminho para a devolução amigável dos projetos em apuros financeiros.
O edital prevê uma integralização imediata de R$ 494 milhões na futura SPE que ficará responsável pela operação do corredor entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Esse dinheiro serve para a montagem da concessionária e como lastro para financiamento.
Se o deságio for acima de 15%, começa a haver aporte de R$ 3,2 milhões a cada ponto percentual. Com deságio maior de 30%, a ANTT exigirá mais um aporte fixo de R$ 49,1 milhões, além de R$ 4,2 milhões adicionais por ponto percentual.
Uma simulação indica que, em caso de proposta vencedora com desconto de 50% na tarifa-teto do certame, haveria necessidade de uma integralização de capital no valor de R$ 675 milhões. Na avaliação do governo, esse mecanismo deve ser suficiente para eliminar a apresentação dos lances considerados “irresponsáveis”.
Uma medida com o mesmo propósito havia sido incluída no leilão de aeroportos agendado para o dia 16 de março. Os vencedores terão que pagar à vista todo o ágio sobre os valores mínimos de outorga fixados nos editais.
A audiência pública aberta pela ANTT receberá contribuições até o dia 17 de março. O valor do pedágio é inferior às tarifas máximas definidas nas últimas licitações do governo Dilma, quando corrigidas pela inflação acumulada no período. Isso só ocorre, entretanto, por uma série de características dessa concessão.
Cerca de um terço do trecho a ser leiloado já tem pista dupla. Além disso, o restante do percurso precisará ser duplicado em até 15 anos, conforme a movimentação de veículos aumentar. Uma das cláusulas pétreas do modelo aplicado pelo governo anterior era a duplicação em cinco anos.
Outro fator barateia a tarifa-teto do leilão: um trecho do corredor rodoviário já tem administração privada, pela concessionária Concepa, cujo contrato está prestes a expirar. Ou seja, uma parte da nova concessão já tem pedágio sendo cobrado, o que injeta receitas imediatas da futura administradora da concessão.
Ao todo, conforme os estudos de viabilidade apresentados pela ANTT, haverá investimentos de R$ 7,9 bilhões durante os 30 anos de vigência do novo contrato.
A taxa interna de retorno (TIR) adotada como referência nos estudos foi de 9,2% ao ano – dois pontos percentuais acima dos últimos leilões da era Dilma, quando o Brasil ainda tinha grau de investimento na avaliação das agências de risco. Também foram adotadas estimativas mais realistas de crescimento da economia, com base na pesquisa Focus, do Banco Central.
Antes de marcar efetivamente a data do leilão, o governo precisará de sinal verde do Tribunal de Contas da União (TCU). Além desse projeto, para o qual as autoridades esperam atrair investidores nacionais e estrangeiros, o PPI tem mais uma concessão de rodovia prevista: a BR-364/365, entre os municípios de Jataí (GO) e Uberlândia (MG).
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